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quinta-feira, 30 de junho de 2011

Tempo.... quero viver mais duzentos anos, quero não ferir meu semelhante, nem por isso quero me ferir. A paz na terra, amor. O sal da terra. Beto Guedes (clube da esquina)



Para os dias que virão...





Não me peças que eu seja um rio sereno

Desses que eternizam tardes calmas

Minha vida é mar revolto, sol a pleno

Nunca pude dar silêncio à minha alma!



Desde o dia em que abri as minhas asas

Compreendi que buscar rastros era em vão

Quem partiu e depois quis voltar às casas

Só encontrou em seu regresso a solidão



Mas, companheira, quando chegas de mansinho

O meu inverno se aconchega em teu verão

Em teus olhos eu encontro o meu caminho

E já não temo mais o frio dos dias que virão



Não me peças que eu seja um rio sereno

Igual a esses que enfeitam as paisagens

Minha vida é mar revolto, sol a pleno

Águas rebeldes alargando as suas margens



Quando se tem no coração noites escuras

Vale bem mais a frágil luz de cada estrela

Pequeno ser que a cada passo se pergunta

Que vale a vida... se a vivermos sem vivê-la?





Martim César

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Aqui o chão, mais além a imensidão... aqui o cais, depois a glória ou nunca mais.



Lançamento do projeto: http://www.cartasdemarearmrf.blogspot.com/

Cartas de marear




Hoje eu não busco essa pressa de mil anos atrás
Nesse bonde da história, o que me diz a memória
É que tudo o que foi, já se foi... tanto faz


Os meus passos na rua já não querem chegar
Eu não faço mais drama, pois esse sol que ilumina
É a mesmo que ensina que nos pode queimar


Eu me lembro de um tempo, noite inteira no olhar
Pelos bolsos, poemas. Vida minha pequena
Sob o céu do lugar


Doida alma no vento, jovens pelos portais
Até que um dia o destino numa voz de menino
Disse adeus, nunca mais


Depois a distância de tantas léguas e milhas
Fui trilhar meu caminho, tanta gente sozinha
Coração feito ilha


Naufraguei tantas vezes, mas vivi pra contar
Pois eu sou insistente... já conheço as correntes
E os perigos do mar


Martim César

terça-feira, 28 de junho de 2011

O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela. Fernando Pessoa



De barro e luz







Jeito de rio
Meu canto, como tantos
Tem em si


Navegador
Nos versos que o universo
Pôs em mim


O mesmo rio
Que embalou a minha infância
Ainda em flor


E hoje me vê
Em suas margens na idade
Do sol-pôr


Chegando ao fim
Vai minha vida como um barco
Rumo ao cais


De barro e luz
Na essência todo homem
Sempre será


De barro e luz
Depois só luz...(talvez só luz)
E nada mais!!!

 Martim César





segunda-feira, 27 de junho de 2011

No hay nostalgia peor que añorar lo que nunca jamás existió. Joaquín Sabina (cantautor español)

tautor español)banco da praça, banco de praça, banco de praça+foto antiga, banco de prça


Quase uma história de amor




A carta que eu não escrevi,

A lágrima que eu não chorei,

O encontro que não tivemos,

O beijo que eu não te dei,

A vida que não vivemos...

Fazem parte desta história de amor

Que nunca aconteceu.
 
 
 
Martim César

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Em vão buscaremos ao longe a felicidade se não a cultivarmos dentro de nós mesmos." (Rousseau)



O amor no banco dos réus





Proíbam o amor!... Proíbam!...
E separem para sempre os amantes,
Façam-nos prisioneiros tão distantes
Que não mais se vejam enquanto vivam.


Resistam a essa flor!... Resistam!...
Que os espinhos aparecem mais adiante,
Que o eterno está somente em um instante,
Depois a dor e as ausências nos dominam.


Mirem-se nos exemplos cotidianos
Dos que se queimam ao tocarem nessa chama,
Percebam quantas perdas... quantos danos...


Evitem, afinal, os futuros desenganos
Que se escondem na ingenuidade de quem ama...
Tolos sonhando com ser Deus, só sendo humanos.


Martim César

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Fiz um acordo de coexistência pacífica com o tempo: Nem ele me persegue, nem eu fujo dele, um dia a gente se encontra" (Mário Lago)


O relógio





Naqueles dias o tique-taque parecia soar lento
Chegava mesmo a parecer que não soava
Mas era eu que, alheio a tudo, solto ao vento
Não percebia que o relógio não parava


Jamais parou, sequer um dia, aquele invento
No interminável passar do tempo, ele passava
Sem que eu pudesse lhe roubar um só momento
Ano após ano, a minha infância ele roubava


Mudei assim, por obra e força do seu passo
E vi-me adulto, sério e fraco, de repente
Sem notar nele o mais leve descompasso


E segue sempre em minha vida, indiferente
A obrigar-me a conviver com o meu fracasso
Mudei assim...
.............................como evitar quando se é gente?


 
Martim César

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Ojalá que las hojas no te toquen el cuerpo cuando caigan, para que no las puedas convertir en cristal. Silvio Rodríguez (trovador cubano)


Feito chuva no deserto


Guardo na moldura das retinas
Essa imagem que me ensina
Que é possível ser feliz
Teus passos desbravando as fronteiras
Desfazendo as trincheiras
Que inventei pra o meu país


Eu vinha de andar léguas a fio
Nesses caminhos vazios
Sem a paz de algum remanso
Quando achei teu rumo certo
Feito sombra em campo aberto
Pra embalar o meu descanso


Mas depois que deste voz ao meu silêncio
Que me mostraste o mundo imenso
Onde eu era solidão
Um dia inventaste a despedida
Me deixando em tua partida
Para sempre na estação


Ah!Hoje sei que é em vão toda essa espera
Que já passou a primavera
E o nosso inverno já chegou
Mas também sei que é melhor minha ilusão
Do que não ter no coração
A lembrança de um amor


Eu vinha de andar sem mais destino
Que esse doido desatino
De viver só por viver
Quando descobri teu rumo certo...
Foste chuva no deserto
Que faz tudo florescer


Martim César

terça-feira, 21 de junho de 2011

Não quero flores no meu enterro, pois sei que vão arrancá-las da floresta. Chico Mendes



Sertão das águas




Arrepare n’água, seu moço
Parece ser tão igual
Mas o seu jeito de poço
Dá bem a cor do seu mal


Eu vô fiando essas rede
Tentando sobrevivê
Olhando o rio, que de sede
Já não faz mais que morrê


Meu pai contava, seu moço
Que em tempos do meu avô
Havia festa... alvoroço
Na volta dos pescadô


Agora as rede se some
Pelas fundeza do rio
E quando voltam os home
Só barco e olhos vazios


Não sei vivê doutro jeito
Sou pescadô de pequeno
De quando as água do leito
Não conheciam veneno


Vejo no olhar do meu filho
A mesma interrogação
Pra quê as rede que eu fio
Se a vida volta mais não?
 
 
Martim César

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Aprendi com as primaveras a me deixar cortar para poder voltar inteira. Cecília Meirelles



Filme antigo



Como farei quando eu buscar
O meu olhar dentro do teu
E tão somente encontrar
O céu nublado de um adeus?


Como farei quando eu falar amor
E essa palavra já não fizer sentido?
Quando todo o tempo que passou
Não for mais do que um filme antigo?


Meu amor, como farei?
Eu que não sei viver assim...
Eu que viajo nessas noites tão escuras
Eu que me engano no trajeto dessas curvas
Eu que me perco e não me encontro mais em mim?


Como farei quando eu disser
Que o que antes era nossa vida
Tornou-se uma vida qualquer
Perda, por fim, consentida?


Quando eu olhar o nosso olhar
Em algum retrato já esmaecido
E tudo o que fomos não for mais
Que o preto-e-branco de um filme antigo?




Martim César

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Mas só não se esqueça da rosa, da rosa... da rosa com cirrose, a anti-rosa atômica, sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada. Vinícius de Moraes



Para além de um quadro humano





A palavra é uma ave na garganta
Abre asas e no céu se faz um grito
Um quadro! Desespero que espanta
Que diz tudo mesmo nada sendo dito


Qual frase de ternura de Guevara
Qual libelo de Sepé ao infinito
Resiste na canção de Victor Jara
Num poema de Neruda al Sur escrito


Feito um basta na injustiça deste tempo
Feito sonho (o meu sonho mais bonito!)
Onde ninguém mais gritasse por lamento
Onde o mal, já por ser mau, fosse proscrito


Quero um grito, mas que seja de esperança
Um de Quixote - o cavaleiro sonhador -
Ou que viesse, tal e qual ao da criança
Ao nascer... com toda a vida ainda em flor


Quero um grito-passarinho de Quintana
Ou do Pessoa... para além do Bojador
Que sonhe a humanidade mais humana
Ou o profano e livre grito... do amor!


 Martim César

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Se o coração se cansa de querer... então para que serve? Mario Benedetti (poeta uruguayo)



Por serem meus



Por serem meus estes campos
- embora sejam de tantos
que creem que a terra tem nome -
É que o meu olhar assim voa
Cruzando o céu das lagoas
E além do horizonte some...


Por serem meus estes sonhos
Que ás vezes morrem tristonhos
Ainda na pedra do cais...
É que aprendi com o tempo:
- o que não se faz no momento
Não vai se fazer jamais!


Somente teus olhos claros
(que eu nunca quero em adeus)
É que mesmo estando ao meu lado
Eu não considero meus

Por isso que os cuido tanto!...
Por isso que os quero assim!...
E passo a vida buscando
Um dia tê-los pra mim!...


Por serem meus estes rastros
De rios de tinta já gastos
Sob o céu das madrugadas...
É que afinal hoje entendo
Que eu passei todo o tempo
Esperando a tua chegada!


Por serem meus estes versos
Onde em silêncio converso
Com as cismas do coração...
É que ao te ver compreendi
Que a tua luz pôs um fim
A mil léguas de escuridão!


Martim César











quarta-feira, 15 de junho de 2011

Libre te quiero como arroyo que brinca de peña en peña, pero no mía. Grande te quiero como monte preñado de primavera, pero no mía... ni de Dios ni de nadie... ni tuya siquiera! Amancio Prada



Tigre no jardim




Como domar a fera que há em mim
Metade Nosferatu, outra metade Querubim?
Esse não querer, querendo assim
Sol branco de neve, lua de carmim?


Como exorcizar os fantasmas do porão
Metade paraíso, outra metade solidão
Esse ser que pensa, todo sensação
Fogo sobre o gelo, geleira no carvão?


E vou contar-te um segredo, meu amor
Eu tenho medo de ter medo dessa dor
Sangue sobre o linho, vinho sobre a flor
No imenso azul marinho, mais um navegador


Como domar o tigre em meu jardim
Uma parte Kafkiana e outra parte de Merlin?
Esse olhar de cego que enxerga tanto assim
O claro do carbono, o escuro do jasmim?


Como iludir o tempo sempre tão fugaz
No corpo rio veloz, na alma muito mais?
Ser que em tudo crê e diz que tanto faz
Menino frente a Deus, guerreiro em plena paz?


Martim César

terça-feira, 14 de junho de 2011

Dice mi padre que ya llegará desde el fondo del tiempo otro tiempo y me dice que el sol brillará sobre un pueblo que él sueña labrando. Alfredo Zitarrosa



 

 

Procissão dos retirantes


Terra-Brasilis, continente, pátria-mãe da minha gente,
 hoje eu quero perguntar:
Se tão grandes são teus braços, por que negas um espaço
aos que querem ter um lar?


Eu não consigo entender que nesta imensa nação
Ainda é matar ou morrer por um pedaço de chão


Lavradores nas estradas vendo a terra abandonada
sem ninguém para plantar
Entre cercas e alambrados vão milhões de condenados
a morrer ou mendigar


Eu não consigo entender, achar a clara razão
De quem só vive prá ter e ainda se diz bom cristão


No Eldorado do Pará, nome índio: Carajás,
um massacre aconteceu
Nesta terra de chacinas, essas balas assassinas
todos sabem de onde vem


É preciso que a justiça e a igualdade
sejam mais que palavras de ocasião
É preciso um novo tempo
em que não seja só promessa
repartir a terra e o pão

A hora é essa de fazer a divisão!

Eu não consigo entender que em vez de herdar um quinhão
Teu povo mereça ter só sete palmos de chão

Nova leva de imigrantes, procissão dos retirantes,
só há terra em cada olhar
Brasileiros feito nós, vão gritando mas sem voz,
norte ou sul, não têm lugar


Eu não consigo entender que nesta imensa nação
Ainda é matar ou morrer por um pedaço de chão


Pátria amada do Brasil, de quem és a mãe gentil?
Eu insisto em perguntar :
Dos famintos das favelas ou dos que desviam verbas
pra champanhe e caviar?


Eu não consigo entender, achar a clara razão
De quem só vive pra ter e ainda se diz bom cristão



 Martim César


sexta-feira, 10 de junho de 2011

Porque la patria es patria de la voz y el silencio... porque patria es la casa donde arde el fuego nuestro. Ruben Lena (Poeta Uruguayo)



O olhar da madrugada




Um breve dia de sol é a vida
Ou de chuva, dentro da casa da infância
Um segundo entre a chegada e a partida
Um relâmpago. Pouco ou nada de distância...


Ainda ontem tudo estava por ser feito
Havia crianças se escondendo pelo pátio
Não tinha nuvens de ausência esse meu jeito
E a saudade não morava nos retratos...



Uma voz que o tempo não apaga dos ouvidos
- Por mais ruídos e urgências tenha o mundo -
E que lembramos feito quem busca um abrigo
Entre seus braços, ao fugir de um quarto escuro.


Alguém que nos tapava ao chegar a madrugada
- Com esse olhar, que mais que a roupa, nos aquece -
E que volta às vezes nos beijando em uma lágrima
Como a dizer-nos... por que é que a gente cresce?


Um pequeno facho de luz é a vida
Chama frágil ao sabor dos temporais
Uma história - em lembranças, resumida -
Universo... que se foi... pra nunca mais!


Martim César

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Como o tempo custa a passar quando a gente espera! Principalmente quando venta. Parece que o vento maneia o tempo. Érico Veríssimo




As linhas do tempo




As mãos da tecelã forjam o tempo
A roca das manhãs em movimento
Na reta dessas lãs, rumos no vento
Província de São Pedro, o continente


Pedala nos atalhos da lembrança
No casario antigo de uma estância
A avó que embalou a minha infância
E um mundo que se foi já para sempre


Fia fiando a fiandeira nessa imagem
De Bibiana relembrando com saudade
O Capitão que nunca mais irá voltar


Roda rodando vai a roca enovelando
Os dias que são quadros de recuerdos
Que o tempo e o vento já não podem apagar


As mãos da tecelã ditam canções
Mulheres que se foram, gerações
Distintas vidas e as mesmas ilusões
Que seus homens não pereçam noutra guerra


Ficaram elas a alumiar noites escuras
Com suas linhas, seus teares, benzeduras
Com seus filhos, suas rocas, com suas juras
Para que os homens tenham paz sobre esta terra!


 
Martim César

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Uma pitada de poesia é suficiente para perfumar um século inteiro. Jose Martí (poeta cubano)



Procura-se



Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como um amor adolescente,
Ingênuo. Descobrindo e descobrindo-se.
Como o primeiro olhar de cumplicidade
E o primeiro beijo. E a primeira lágrima de dor.
(E não existe outro amor mais delirante).


Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia contra a opressão,
Poesia como um rio sem represas,
Poesia libertária, abrindo grades,
Poesia devolvendo o céu aos pássaros,
Poesia sem preço, nem limites,
Poesia como lenitivo, como bálsamo,
Poesia contra as feridas deste tempo,
Poesia contra quem nos fere,
Poesia para quem nos fere,
Poesia necessária, poesia imprescindível
Como a água que bebemos.


Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia de Neruda, eterna como as geleiras da sua terra,
Alta como a cordilheira que moldou o seu canto inigualável,
Livre como o condor, senhor dos ares ameríndios.
Poesia com gosto de vinho, poesia cor de sangue,
Poesia como o mar, belo e temível. Temivelmente belo.
Poesia de Drummond, cortante como um punhal,
Feita do ferro das suas minas não tão gerais,
Poesia denunciadora como a Rosa de Hiroshima,
Poesia gritando feito uma menina do Vietnam,
Nua. Queimada de Napalm, gritando...
Ardendo em chamas dentro de nós.


Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como um relâmpago na noite escura,
Como o tímpano adivinhando o trovão
Que ainda não veio, mas virá.
Poesia como uma flor em meio ao charco,
Como as gotas de orvalho sobre a relva,
Como uma carta de amor no bolso de um soldado
Que foi morto por outro soldado que
                                                        também foi morto,
Ambos assassinados por alguém que
                                                        nunca foi à guerra.
Poesia épica como a música de Serrat
Onde Dom Quixote ainda enfrenta os cataventos,
E García Lorca ainda está vivo,
Zombando dos generais que o fuzilaram.
Como o exemplo de uma mulher por trás das barricadas,
Defendendo a frágil democracia de sua
                                                               imensa Espanha
E gritando: No pasarán!... No pasarán!... No pasarán!


Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como um amor adulto, aparando arestas,
Buscando completar um estranho quebra-cabeças
Onde sempre está faltando alguma peça.
(E não existe outro amor mais desafiante).
Poesia como as mãos de Víctor Jara, tocando,
Mutiladas mas ainda ali, tocando
Para todos os opressores deste mundo, tocando
Para os abutres disfarçados de defensores da liberdade,
Pois cada Pinochet é somente um títere,
Perigoso títere de uma ideologia onde o lucro
É o único Deus e a águia é o símbolo do poder.


Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como o espetáculo indescritível das estrelas
Numa noite clara, longe das cidades de neon.
Poesia como as mãos de um escultor
Moldando o barro, forjando o tempo.
Poesia como o sutil traço de um pintor
Transformando a matéria em sentimentos.
Poesia desesperada como um suicídio,
Como a dor das mães-avós da praça de maio,
Lutando contra o silêncio e o esquecimento.


Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como flecha contra mísseis e satélites.
Poesia como o pedaço de céu visto entre as grades
De todos os cárceres do planeta.
Poesia como a ausência das pessoas que perdemos,
Mas que continuarão em nós, enquanto vivermos.
Poesia como um barco regressando.
Poesia incoerente e bela. Incoerentemente bela.
Como o pranto solitário de Carlitos,
Como a ternura inquebrantável de Guevara.
Poesia necessária, poesia imprescindível
Como o ar que respiramos.


Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como o último índio de uma raça,
Exposto aos brancos como um animal exótico.
Poesia como o grito igualitário de Zumbi
Sem entender porque a cor difere os homens.
Poesia como o coração de Chico Mendes
Sangrando sobre o verde da Amazônia.
Poesia como os cem anos de solidão
A que estão condenadas todas as Macondos
Deste hemisfério culpado por ser inocente.


Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como um amor maduro,
Bebendo a última luz do entardecer.
(E não existe outro amor mais verdadeiro).
Poesia necessária, poesia imprescindível
Como o sol de cada dia.
Poesia como alguém que dá sua vida
Por um ideal, por um amor, por um amigo,
Poesia como alguém que dá sua vida por alguém,
Sem importar-se que, afinal, está entregando
A sua mais bela e - quem sabe -
Única, necessária e imprescindível poesia.




Martim César



terça-feira, 7 de junho de 2011

Eu me contradigo? Pois muito bem, eu me contradigo. Sou amplo, contenho multidões. Walt Whitman



Ínfimo infinito




Sou o último e o primeiro homem
E, antes, o primeiro macaco,
E, antes, o primeiro mamífero,
E, antes, o primeiro vertebrado,
E, antes ainda, o primeiro ser vivo.


Sou todos eles e apenas um,
O mais elementar e o mais complexo.
A primeira e a última parte do revezamento,
(Mas não a última ainda. Apenas a atual).

Sou a parte que representa o todo
E o todo que representa a parte.
Pois em mim vive tudo o que existe,
O que veio, o que vem e o que virá...

Milhões de anos moldaram os meus genes,
E, no entanto, cada segundo que passa
Equivale a todo o tempo que passou.
Sou o infinito guardado nos limites finitos
do meu cérebro.

Sou o universo orbitando no alcance ínfimo
dos meus olhos.
Sou aquele que prende galáxias
entre os dedos
E é subjugado pela grandeza imensurável
                                               de um micróbio.






Martim César

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes". Machado de Assis




Olhar vago de mulher num quadro antigo

(1878)



No olhar distante, a memória de um tempo que passou
Vida que ficou, entre a moldura do retrato, eternizada
Retinas vagas que se assomam da janela de outro mundo
Imagem que diz tanto e, no entanto, para tantos não diz nada


A história de um romance que morreu sem ter nascido
Tempo esquecido em que o charque comandava este lugar
A moça a sonhar, no seu balcão, com seu poeta preferido
E ele – moço – ainda iludido, com o poder do verbo amar


Na casa grande, aquela noite de verão, houve uma festa
Onde uma orquestra embalava a leveza de alguns pares
E de repente o amor – que não conhece leis ou regras -
Revelou-se nessa entrega que só percebem dois olhares


Porém a distância invisível que separa os sobrenomes
Invenção dos homens para se crerem mais acima dos demais
Fez com que a moça não pudesse escolher o seu destino
E o amor menino se perdeu, num breve adeus de nunca mais


Hoje quem olha essas paredes onde o passado ainda resiste
Sente que existe algum segredo que no seu peito quer abrigo
Pois não compreende o porquê de (sem querer) saber-se triste
Ao ver-se preso no olhar vago de mulher num quadro antigo


Martim César

sábado, 4 de junho de 2011

É muito antigo meu canto... bem mais antigo que eu, pois todo verso que planto/ veio em mim, mas não é meu.

Convido-os a visitar essa legenda do nativismo chamada Marco Aurélio Vasconcellos, interpretando - para imenso orgulho nosso - uma canção que criamos em sua homenagem.


A raiz que brota no campo

Letra: Martim César Gonçalves
Melodia: Alessandro Gonçalves


http://video.citimates.com/view?id=rML7-kPJIhY&channel=youtube&a=A%20RAIZ%20QUE%20BROTA%20NO%20CANTO%20-%20Marco%20Aur%C3%A9lio%20Vasconcellos%20

Eu semeio o vento na minha cidade... vou pra rua e bebo a tempestade. Chico Buarque





Sombras de Morfeu



Se de repente o sol caísse
Feito um copo, estilhaçado aos teus pés
E a lua para sempre resumisse
Em sua luz, a força oculta das marés

Noturnos homens caminhando
Como sombras pelo chão dos hemisférios
A Via Láctea no sem fim se navegando
Rio alado rumo a um porto de mistérios


Ainda assim te encontraria
Feito um lobo farejando a sua presa
Pois teu cheiro de mulher te denuncia
E o teu olhar é uma chama sempre acesa


Se de repente a vida fosse
Não mais o infindo renascer dos dias
E sim a noite sucedendo a noite
Escuras praias sob o som das maresias


Cegos vultos na escuridão
Buscando a vida já ausente das retinas
Em um sombrio tempo de ilusão
Silhuetas negras que o luar não ilumina


Ainda assim te encontraria
Feito um lobo farejando a sua presa
Teu amor tem essa luz de poesia
De rio de estrelas rebentando mil represas





Martim César

sexta-feira, 3 de junho de 2011

¿Cuántos caminos tiene que andar un hombre antes de que le llaméis hombre? ¿Cuántos mares tiene que surcar la paloma blanca antes de poder descansar en la arena? Bob Dylan






Cem mil léguas de oceano

De uma zona de conforto a outra zona de conforto
Estende-se, caro amigo, cem mil léguas de oceano
E se é terrível a batalha para, enfim, deixar o porto
A travessia é um embate muitas vezes mais insano.

Atrás de ti jaz o caminho que um dia já foi plano
(Que vês hoje com surpresa, ao notares que era torto)
Um teatro sem atores que não mais ergueu o pano
Uma casa com fantasmas vigiando um tempo morto.

Em frente a ti há o mar ignoto, o sem fim desconhecido
O porvir que traz consigo o temporal dos temporais
E nada adianta declarar-se - ante os céus - estar vencido...

Ninguém ouve! A quem importa? Só ao riso dos normais
Que dirão que te avisaram e, sendo assim, é merecido!...
Siga nadando, meu amigo... talvez à frente exista um cais!


Martim Cèsar

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Caminhos de Si - Paulo Renato - SP

Aos que quiserem ver e ouvir uma nova versão da música Caminhos de Si, na voz de Paulo Renato:




http://caminhosdesi2012.blogspot.com/2011/06/caminhos-de-si-viva-vos-paulo-renato.html


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E aos que quiserem ver algumas fotos da apresentação do grupo, no clube jaguarense, por ocasião do tombamento histórico da cidade:


http://talentosjaguarenses.blogspot.com/2011/06/imagens-do-show-caminhos-de-si-no-clube.html


Fontes: Blogs acima (recomendados)


Caminhos de si



Quem olha dentro de si
Vê um outro continente
Navega em mares sem fim
Que só existem na gente

E em cada porto procura
Qual a razão de estar vivo
Mas quanto mais se pergunta
Menos entende o motivo

O tempo que corre fora
Não é o que corre por dentro
Pois um se mede por horas
O outro... por sentimentos

Um se adivinha no espelho
Nas rugas que vão crescendo
O outro... está no silêncio
Dos sonhos que vão morrendo

Quem olha dentro de si
Enxerga um mundo do avesso
Compreende que não há fim
No que não teve começo

Descobre que o seu destino
É se perder, sem saída
Nesse humano labirinto
A que chamamos de vida


Martim César

quarta-feira, 1 de junho de 2011

A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original. Albert Einstein




(Que trata da confusão existente na mente de um tal Miguel de Cervantes, malgrado sua genial criação, e de como nosso inolvidável cavaleiro Don Quixote de La Mancha voltou a ser um mero e obscuro Alonso Quijano, para dessa forma morrer como se fosse um seu humano qualquer)



A segunda morte de D. Quixote

Enfim, termina o sonho... voltaste a ser Quijano
E a morte que te ronda é a de todo ser humano
E a sorte que te espera é a de todos os mortais...

Enfim, tudo se acaba... e assim também a aventura
Daquele heróico cavaleiro nem recordas a figura
Aqueles dias memoráveis não regressarão jamais!

E, no entanto, o que importa a tua tardia lucidez?
Se o mundo sempre vai lembrar a altiva insensatez
De um louco que sonhou ser um sonho a realidade...

Teu nome, D. Alonso, será apagado pelo vento
Mas D. Quixote viverá muito além do esquecimento
Além de ti... além de mim... enquento houver humanidade!!!

Martim César