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sábado, 29 de dezembro de 2012

Viva los locos que inventaron el amor... Astor Piazzolla




Delírio

 
Deliro! E em meu delírio, feito um doido, eu pressinto

Que hoje me encontro sob as regras de outro plano

Onde só digo a verdade - na verdade - quando minto

Onde o tempo não existe e a vida é um grande engano

        

Um minotauro corre a esmo em seu infindo labirinto

Temeroso de encontrar, outra vez, um ser humano

Há milênios não compreende seu destino desumano

De viver em um pesadelo e morrer por ser distinto

 

Fera ou homem? Neste quadro em que eu me pinto

Pouco importa. São tão iguais logo após cair o pano

E se eu sou ambos, toda a dor que imponho e sinto

 

É duplicada pelo espelho, onde vejo um ser extinto

Quero voltar à realidade, mas é tarde!... o cotidiano

É um vampiro confundido entre sangue e vinho tinto.

 

 

 

                                               Martim César

      

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Se tudo é imperfeito nesse mundo imperfeito então o amor é perfeito nessa perfeita imperfeição. Ingmar Bergmann (O sétimo selo)



O xadrez de Bergman
(Sétimo selo)

A foice e a ampulheta... (da morte
que espreita atrás de cada esquina)
São punhais ceifando a vida. Um corte
E o caminho - breve ato! - se termina

Se um cavaleiro, rei, peão?... O porte
Pouco importa! Pois de todos é a sina
Bergman frente a Deus, a finda sorte
Será humana ou, afinal, será divina?

Dois contendores e - entre ambos - o xadrex
A morte joga: tem o tempo em sua mão
Depois o homem. Chegou, enfim, a sua vez!

Movendo a peça, dissimula a emoção...
O que virá agora que a sua chama se desfez?
Existe um Deus? Ou tudo... tudo... foi em vão?


Martim César

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Quem já passou por essa vida e não viveu, pode ser mais, mas sabe menos do que eu - Vinícius de Moraes



Puro sentimento

Como o sol que precisa do olhar
E o olhar que precisa do amor
É o amor quem nos leva a cantar
Mergulhar nesse rio, como for

Esse frio de emoção que há em nós
Quando se abre a cortina da vida
Dá sentido aos caminhos da voz
Faz brilhar nossa luz mais sentida

Leve chama que inflama o universo
No mistério do que ainda virá...
Qualquer vida é maior do que um verso
Mas quem pode viver sem sonhar?

O menino olha as águas do rio
E a vontade, afinal, vence o medo
Tão pequeno parece o seu desafio
E, no entanto, esse é o grande segredo.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

A vida é a curva da estrada que - alcançada - nos mostra outra curva mais além...


Cartas de marear


Hoje eu não busco essa pressa de mil anos atrás
Nesse bonde da história, o que me diz a memória
É que tudo o que foi, já se foi... tanto faz


Os meus passos na rua já não querem chegar
Eu não faço mais drama, pois esse sol que ilumina
É a mesmo que ensina que nos pode queimar

Eu me lembro de um tempo, noite inteira no olhar
Pelos bolsos, poemas. Vida minha pequena
Sob o céu do lugar

Doida alma no vento, jovens pelos portais
Até que um dia o destino numa voz de menino
Disse adeus, nunca mais

Depois a distância de tantas léguas e milhas
Fui trilhar meu caminho, tanta gente sozinha
Coração feito ilha

Naufraguei tantas vezes, mas vivi pra contar
Pois eu sou insistente... já conheço as correntes
E os perigos do mar


Martim César

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Chegar e partir são dois lados da mesma viagem. O trem que chega é o mesmo trem da partida... a plataforma dessa estação é a vida desse meu lugar - Fernado Brandt/Milton Nascimento






Quase uma história de amor



A carta que eu não escrevi,

A lágrima que eu não chorei,

O encontro que não tivemos,

O beijo que eu não te dei,

A vida que não vivemos...

Fazem parte desta história de amor

Que nunca aconteceu.





Martim César

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Eu sou a gota d'água, sou o grão de areia.... Renato Russo





À deriva

Quem saberá o que somos na verdade?
Segundos, poeira, gotas, grãos de areia...
Chama que ao vento um dia se incendeia
E ao apagar-se deixa cinzas de saudade.

Quem saberá se somos sonho ou realidade?
Se somos fantasia de alguma mente alheia,
Se fazemos parte do enredo de uma teia,
Ou se somos só acaso, vidas sem finalidade?

Quem saberá?... Se do saber pouco nos cabe,
Se a esse ser que tudo fez e (por isso) tudo sabe,
Nenhum ser vivo o verá, enquanto viva?...

Se a mesma luz que ilumina é a que cega,
Se toda fé nos pede sempre a nossa entrega,
Se o tempo é um oceano e nele estamos à deriva?!




Martim César

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Aqui o cais... mais além, a imensidão...



Poema a ser reescrito


Quando me busco por dentro
No poço fundo de mim
Sem rumo e insone me perco
Preso num enredo sem fim

Quem saberá o segredo
Dos medos que eu já não nego?
(Qual luz que habita o silêncio
da imensa noite dos cegos)

Eu queria uma alma serena
(Que só na infância se tem!)
Um papel esperando um poema
Sem saber qual o verso que vem

Eu queria uma vida reescrita...
Pra outra vez sentir a emoção
Da magia sem par dessa hora
Em que nasce uma nova canção

Por tantas vezes no escuro
Em mil lembranças me acendo
Mas - ao despertar-me - descubro...
Não há um regresso no tempo!

Segue a vida sempre em frente
- um livro a buscar seu final -
Qual barco que vai na corrente
Já quase chegando ao mar...

Martim César

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Algo se dijo también de una esquina y un cuchillo. Los años no dejan ver el entrevero y el brillo. Jorge Luis Borges



Dois sangues do mesmo sangue

Se encontraram frente a frente
No entrevero da batalha
Um poncho aparou o golpe...
O outro se fez mortalha

Dois sangues do mesmo sangue
- irmãos em lados contrários -
E a morte ali de permeio
Marcando dia e horário

Desde o nascer que esperamos
O punhal, enfim, que nos mate?
Mas um final tão insano
Não há um pintor que retrate!

Um irmão matou o outro...
Quem foi Caim ou Abel?
Quem viveu, morreu bem mais
Mesmo ficando de pé

De um lado o General Neto
Do outro, Silva Tavares
Mas dos muitos que ali morreram
Seus nomes ninguém mais sabe

Se é diferente a bandeira...
Se o lenço não é igual...
A morte é que é sempre a mesma
No Arroio Grande ou Seival

Dois sangues do mesmo sangue
Sobre os campos da querência
Um escorrendo na terra
Outro manchando a consciência


Martim César

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Borracho, pero con flores voy... Sabalero

Esse foi, seguramente, um dos maiores expoentes da música del 'Sur' que conheci. Viverá eternamente no coração do seu povo... e no nosso também.

Hace un año partió... pero sigue siempre con nosotros.

'Una copa de vino por tus canciones'.


Escutem essa pérola (poesia pura):

http://escuchoatentamente.blogspot.com.br/2008/07/jose-carbajal-sabalero-no-te-vayas_20.html

El Sabalero agradeció el calor de la gente y lamentó la lejanía


terça-feira, 11 de dezembro de 2012

El tiempo, el implacable, el que pasó... Pablo Milanés




Balada para um dia de julho

Eu me lembro muito bem que era julho
De uma tarde de um inverno muito frio
E eu tinha a mente adolescente
Cheia de sonhos e incoerente
E um coração ainda vazio

Eu me lembro muito bem que de repente
Veio chegando assim sem ter porquê
O futuro a dizer que era tempo...
A justa hora e o momento
De escolher o que eu queria ser

E eu, na verdade, só sabia
Recitar alguns poemas
Pra um romance de cinema
Que ninguém queria ver

E eu - de certeza - só queria
Era dedilhar meu violão
E poder mostrar-te essa canção
Que eu jamais pude escrever

E, assim, cresci sem entender
Por que ninguém nunca entendia
Que, afinal, o que eu queria
Era somente não crescer...

“Já sei que um dia tudo acaba
Mas no final da minha estrada
Vou seguir querendo mais...
E direi sempre 
Para quem não me compreende
Que o meu tempo não se prende
No relógio dos normais!”


Martim César


segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A vida é uma sucessão de sucessos e insucessos que se sucedem sucessivamente.



A fortaleza

Era uma fortaleza inexpugnável.
Dizem os que a cercaram e ainda vivem,
Que durante tempos mais eternos que o próprio tempo,
Ela resistiu a todas as investidas.
Dizem, também, que os maiores cérebros da humanidade,
Através dos cálculos e das tecnologias mais avançadas,
Inventaram armas cada vez mais potentes e destrutivas,
E que, mesmo assim, nem canhões, nem mísseis,
Nem bombas infalíveis lançadas com precisão cirúrgica, Alcançaram destruir as suas muralhas defensivas.
Era uma fortaleza realmente inexpugnável,
Até o dia em que um louco que nada entendia de batalhas,
Nem de guerras, nem de cercos, nem de táticas militares,
E muito menos de complicadas estratégias de combate,
Inventou uma estranha arma
que chamou de poesia.
E, por primeira vez - e para sempre -,
Foi possível penetrar no quase inexpugnável
coração dos homens.


Martim César

domingo, 2 de dezembro de 2012

Porém estranho é o destino e ainda mais a alma humana e entre a paz da sua guarida e a aventura mais insana o escudeiro já não sabe qual a sorte preferida...



A segunda morte de D. Quixote

 

 

Enfim, termina o sonho... voltaste a ser Quijano

E a morte que te ronda é a de todo ser humano

E a sorte que te espera é a de todos os mortais...

 

 

Enfim, tudo se acaba... e assim, também, a aventura

Daquele heroico cavaleiro nem recordas a figura...

- Aqueles dias memoráveis não regressarão jamais

 

 

Mas, no entanto, o que importa a tua tardia lucidez?

Se o mundo sempre vai lembrar a altiva insensatez

De um louco que sonhou ser um sonho a realidade...

 

 

Teu nome: Dom Alonso... será apagado pelo vento

Mas Dom Quixote viverá muito além do esquecimento

Além de ti, além de mim...enquanto houver humanidade!

  

 


 

 

 

Epílogo

 

Como no I Ato, uma empregada doméstica entra com vassoura e bacia. Vai até a biblioteca e destapa os livros. (muda a luz) Renasce a leitura.  Depois de uma breve limpeza, sai deixando num canto seus instrumentos de trabalho. Entra o leitor moderno. É o mesmo ator que encarnava Dom Quixote.

 

 

Leitor: (lendo as últimas linhas do Quixote de Cervantes)

 

_ “... pois não há sido outro o meu desejo de pôr no aborrecimento dos homens, as fingidas e disparatadas histórias dos livros de cavalaria, que pelos do meu verdadeiro Dom Quixote vão já tropeçando, e hão de cair de todo, sem dúvida alguma.”

Vale!!!

 

Fecha o livro e o deixa sobre a mesa. Ao voltar-se, olha a vassoura e a bacia e diz meneando a cabeça:

 

_ Extremada loucura é pensar que alguém poderia cometer semelhante loucura!

 

O olhar do leitor se desloca pela plateia e depois para a vassoura e a bacia, se aproxima, olha para todos os lados cuidadosamente e as empunha como Dom Quixote, vai até em frente à plateia, ergue a vassoura como se fosse uma espada e exclama:

 

_ ¡Vale!  

 



 

 

 

 
(Direitos reservados: Livro  O sonho de Cervantes - Martim César e Jorge Passos)

sábado, 1 de dezembro de 2012

Servos, terras e riquezas... eis aqui seu governante, que é justo por ser sábio e que é sábio por andante, pois nas agruras do caminho fez a sua aprendizagem.


III Cena

(Quixote, Sancho, Sansão, Ama, Sobrinha, Padre, Barbeiro)

 

De como Dom Quixote voltou a ser Alonso Quijano; de como adoeceu e de suas derradeiras palavras plenas de sabedoria.

 

Quixote inclinado em seu leito de morte. Presentes sua sobrinha, a ama, Sansão, o padre, barbeiro. O fiel Sancho está ajoelhado ao seu lado.

 

Quixote:

_ Bendito seja Deus que me deu a graça da sua misericórdia. Depois de haver vivido como um louco, posso morrer em pleno juízo.

 

Sobrinha:

_ Mas o senhor não vai morrer. Não agora que recobrou a sua lucidez, ainda falta tanto por viver!

 

Quixote:

_ Não temas minha sobrinha. A morte é tão natural como a vida. Algum dia um grande poeta dirá: “Tudo fica e tudo passa. Porém, o nosso destino é passar!”

 

Sancho(choroso):

_ Não morra, senhor... siga o meu conselho e viva muitos anos...  porque a maior loucura que pode fazer um homem é se deixar morrer. Ande, não seja preguiçoso, levante-se daí.  Temos muitas aventuras pela frente (piscando o olho e imitando seios de mulher) e a sua amada Dulcinéia não pode ficar só, sem seu valente cavaleiro.

 

Quixote:

_ Me perdoa, Sancho, de que tenha te feito cair nessa minha loucura. Eu não sou mais Dom Quixote de La Mancha, e, sim, o que realmente sou: Alonso Quijano... tudo foi somente uma ilusão.

 

Sancho:  (desconsolado)

_ Mas senhor! Como pode Vossa Mercê saber, se a vida não é uma ilusão? 

 

Sobrinha: ( abraçando-se a Sansão)

_ Por favor, me ajude a salvar o meu tio. Prefiro mil vezes que viva com suas loucuras a que morra de melancolia por ter voltado à realidade.

 

Sansão(coçando o queixo):

_ Só há uma possibilidade... tentarei desfazer o que fiz.

 

Dirigindo-se a Dom Quixote:

_ Senhor, tenho uma grave revelação para fazer. O Cavaleiro da Blanca Luna não era outro senão eu mesmo, Sansão Carrasco. Como considero que foi uma trapaça da minha parte, o senhor está desobrigado de todas as promessas que me fez. Portanto, pode retornar a suas aventuras cavaleirescas.

 

Sancho(esfusiante, desatando a falar provérbios):

_ Isso, meu senhor! Vamos à luta outra vez. Até a morte tudo é vida.... Deus, que dá a doença, também dá a medicina...  fogo não tenho, mas coragem me sobra... em jogo parelho, ganha o mais velho... Já vou buscar suas armas e encilhar o Rocinante!

 

Quixote:

_ Não, Sancho. Rei morto, rei posto! Ninguém nunca poderá se banhar duas vezes nas mesmas águas de um rio. A história costuma se repetir, porém não com os mesmos personagens. Meu jovem amigo Sansão: Não te preocupes. Foste apenas um instrumento do destino. Dom Quixote foi morto na nossa batalha e eu, Alonso Quijano, estou morrendo agora. E na minha completa lucidez te asseguro: Em poucos anos, de mim não ficará nenhuma lembrança, enquanto que do louco que um dia eu fui haverão de falar pelos séculos que virão.

 

_ Morro eu para que vivas tu,  Dom Quixote de La Mancha, o Cavaleiro da Triste Figura!