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sexta-feira, 28 de março de 2014

Hoje é sempre... amanhã é nunca mais!



Pandora é simultaneamente a introdutora dos males mas também da
força, da dignidade e da beleza, e a partir da abertura da sua
caixa o ser humano não pode melhorar a sua condição sem
enfrentar adversidades.
A história conta que após Pandora receber o jarro, ela recebeu uma ordem de Zeus dizendo para jamais abri-la. Dia pós dia, Pandora ficava cada vez mais curiosa, e um certo dia, decidiu que iria abri-la para ver o que havia dentro. Quando a abriu todos os males foram libertados, exceto um, que ali dentro permaneceu: a esperança.


Pandora

Uma silhueta de mulher, bela e fugaz
Que a pupila abrange, dilata e acostuma
Tão clara no olhar, etérea como a bruma
Que só existe sem tocar e ao tocar-se se desfaz

Uma silhueta de mulher, tão leve como a pluma
Que de todos os desejos, me desperta o mais voraz
Inflamando os meus sentidos, tão serena como audaz
E que depois por livre, se desmancha como a espuma

Uma mulher igual a todas, qual se todas fossem uma 

Com sua caixa de Pandora frente a todos os mortais 

Aromada nas manhãs (que à luz da aurora se perfuma)



Uma mulher à flor da pele, com seus gestos sensuais

Uma mulher igual a todas - todas elas e nenhuma -

Me provando que hoje é sempre e amanhã
é nunca mais!


Martim César

segunda-feira, 24 de março de 2014

Lá em riba estão as estrelas... cá embaixo... o cantar dos galos! Aureliano de Figueiredo Pinto




Olhos do Pampa

Nas noites claras do Pampa, bem acima dos galpões
Há olhos que nos vigiam e são mais que apenas clarões
São, talvez, visões de um tempo vindo de outras gerações
Dos que escreveram a história que hoje eu trago comigo
Responso, sangue e memória - razões dos rumos que eu sigo.

Pois somos o elo da corrente que chega desde o passado
Guardiões de velhas taperas, cuidando o solo sagrado
Nas veias trazendo a seiva e o gosto do mate amargo
Um rio antigo que nos une já desde a ronda primeira
Quando não havia alambrados, nem países, nem fronteiras.

Por isso ao cair da noite... bombeando a luz das estrelas
Me pego cismando, às vezes, que todo gaúcho ao vê-las
Enxerga o lume de um tempo que se timbrou no seu peito
Outras eras... outra idade que moldou pra sempre seu jeito
Pois foi ao redor dos fogões que nasceu a nossa identidade!

Cada fogueira do Pampa com sua misteriosa claridade
Alumiou a tez desses homens que há muito já não estão
Mas que forjaram essa pátria que trago em cada canção
Lugar onde sei que um dia também teria minha campa
Sob o clarão das estrelas... os sagrados olhos do Pampa!




Martim César

terça-feira, 18 de março de 2014

Ora direis ouvir estrelas.. certo! Perdeste o senso... Olavo Bilac




No rumo das boleadeiras

Foi quando a pedra da lua lançou-se da boleadeira
Primeiro partiu-se em duas, depois em três... virou poeira
Cá em baixo os olhos dos índios viram surgir as estrelas
Depois chegaram os brancos e ninguém mais 
                                                                         pode vê-las

Mescla de sangues e raças, tempos que o tempo                                                                                             esqueceu
Degolas, flechas e adagas.../ mundo esquecido por Deus

Foi quando o claro dos rios tingiu-se em rubro sol-pôr
Mormaço, noites de frio... o sangue a mostrar sua cor
O sal, o suor e o charque, brotando das mãos escravas
A dor parindo o amanhã de um sol que nunca chegava

O cantochão das senzalas,/ o mal que não tem 
                                                                           nem nome
A cor escura ou a clara/ ditando a sina dos homens...

Foi quando dessas três pedras nasceu um caminho novo
Brotou do ventre da terra e se fez semente de um povo
A lança então foi fuzil... que se fez arado e canção...
E que hoje eu trago no sangue jorrando na imensidão.

O rumo que – enfim - nascia/ das pedras no céu azul
É o laço das Três Marias/ rondando as noites do Sul.




       Martim César Gonçalves

sexta-feira, 14 de março de 2014

quinta-feira, 13 de março de 2014

Toda a arquitetura magnífica destas cidades sulinas foi criada pela arte branca, pelo suor e sangue negro, sobre território índio. Mestiços somos. Martim César



A mão que ergueu as cidades
(Martim César/Diego Müller)


Há um rio de sangue antigo que escorre por entre as mãos:
Uma outra vida sagrada – que como veio se foi!...
Porém na alma do escravo jamais se vê a ferida
Jorrando sonho em segredo – na sina igual a do boi!

Machuca a faina dos dias, mas ainda a noite dói mais...
A mãe-áfrica distante hoje é um lugar muito além!...
Quase não pode seguir, mas não lhe cabe esperar ...
Esse amanhã que virá, que sempre tarda e não vem!

A mão que ergueu as cidades – quem saberia o seu nome?
O sangue que uniu tijolos, alguém reparou sua cor?...
Nos casarios opulentos habitariam outros homens,
Ou todos seriam iguais... ante a alegria e a dor?!

Há um rio de dor muito antiga circulando entre as artérias:
Que o tempo esqueceu a alcunha e quis trocar, por herança...
Dos canaviais e senzalas, das capoeiras... quizombas...
Parindo as festas profanas... ninando a paz das crianças!

Mangueirões, cercas de pedra... mil taipas nos corredores!...
Telhas moldadas nas coxas... pro altar das ostentações!...
De dia o sangue brotando se transformando em cultura...
Nas noites tão só a esperança... no batucar das canções!

A mão que ergueu as cidades – quem saberia o seu dono?
Os dedos modelando a terra, criando ali nossa história!...
Sementeiras destas ruas que sustentaram as cidades...


Alguém lembrará os seus nomes na hora de cantar glória?!

segunda-feira, 10 de março de 2014

Ando devagar por que já tive pressa... Renato Teixeira/Almir Sater



Sob uma cruz de madeira


Há uma cruz junto à estrada
Feito um triste monumento
A mostrar que a vida é um nada
Não mais que um sopro no vento

A quem pertence... o que importa?
É uma a mais de outras tantas
Esperança e madeira já mortas
Num pássaro que já não canta

Partiu-se ao meio um destino
...errou o sentido da seta!
Foi mais um que - em desatino -
Fez de uma curva uma reta

Fica um vazio tão imenso
Que nenhum poeta descreve
Resta um olhar de silêncio...
Que a terra lhe seja leve!

Há uma cruz junto à estrada
Rodeada de algumas flores
É a morte, enfim, enfeitada
Pois também tem suas cores...

E assim se vai tanta gente
Vidas perdidas na poeira
Sonhos desfeitos... pra sempre!
Sob uma cruz de madeira!



Martim César