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terça-feira, 29 de julho de 2014

Velhas tardes da minha infância

Hora da siesta

Na hora da siesta meu avô fechava a janela
da casona
E fazia que ia dormir.
Algumas vezes dormia mesmo.

Meu avô tinha um relho ainda do seu tempo
De domador de cavalos.

Nunca tivera muito, além da velha casona,
Algum ou outro parelheiro
Para as carreiras de domingo,
E um relho.

Seu relho era como se fosse o cetro de um rei.

A hora da siesta era a nossa hora.
Pegávamos a bola de meia, meus primos e eu,
E íamos para baixo dos paraísos,
Ao lado do galpão,
E fazíamos o nosso gol a gol,
ou dois contra um.

Sempre era uma festa.

Até que, algumas vezes, o avô abria a janela
E gritava para pararmos com o barulho
Porque se não iria fazer o relho estalar
no nosso lombo.

No lombo dos meus primos, eu sabia.

Eu era muito pequeno ainda,
Mas aquela hora era a melhor hora de todas.

Meu avô já não tinha quase forças,
Mal levantava da cama.

Eu era muito pequeno ainda, mas lembro.

Um dia, num desses jogos acirrados,
Acabou acontecendo uma penalidade
para o meu time.
Meu primo quis chutar e eu disse que não.
Chorei, afinal eu era pequeno.
E me considerava o craque do time.

Meu primo só disse que saísse da frente.

E tudo ficou naquele 'eu chuto! Não, eu é que chuto!'

Choradeira e gritos.

Gritos e choradeira.

Até que ouvimos a voz de sempre...
Só que, dessa vez, muito mais perto de nós.

'Deixa que eeeu chuto, gurizada de uma figa.'

Foi um esparramo.

Eu corri na direção das casas dos meus pais,
Que moravam ao lado.

E só tive tempo de ver o velho avô chutando a bola
Enquanto, ao mesmo tempo,
Dava um relhaço no primo menor.

O primo mais velho tratava de fugir,
Arrodiando o galpão.

O avô, com uma agilidade impensada,
Atirou o relho e acertou o seu calcanhar, 
                                                   derrubando-o.

Mas os dois conseguiram fugir em direção ao fundo.

Foi mesmo um esparramo.

Lindo de ver, se não fosse conosco.

Depois disso demos um tempo.

Não foi muito, mas foi um tempo.

Na verdade, creio que não durou uma semana
E já seguimos com o nosso jogo de bola de meia.

Afinal, era a hora da siesta dos adultos.

Só que daí em diante, sempre ficava um de nós
                                                              de vigia.

Lógico: para o caso de haver alguma penalidade.


Martim César

quinta-feira, 24 de julho de 2014

A melhor parte de mim Não quis vir quando eu vim E ainda me espera, eu sei, na estação do lugar.


O campo na parede


Eu tenho o campo na parede pendurado
Janela de um mundo que parece tão distante
Mania antiga de tentar guardar num quadro
Uma paisagem que foi nossa muito antes

Compõe a imagem o galpão bem junto às casas
Abrindo as asas, tendo ao lado um cinamomo
Pareço ainda ver que há cavaletes pelos cantos
Com seus arreios a esperarem por seus donos

Há um campo verde como os olhos que eu já tive
Verde... verde...
Verdes paisagens que mesmo a vida não dilui
Verdes... verdes...

Fecho os meus olhos e minha alma voa livre
Até o menino que há muito tempo eu fui!

Eu tenho o campo na parede pendurado
Visões de um tempo que ficou já muito longe
Mas que por dentro das retinas ainda guardo
Pra que se saiba que o meu canto vem de onde

Nestas urgências vou cumprindo meus horários
Sob os concretos dos mil bretes da cidade
Mas vez em quando paro a vida... vejo o quadro
E por ele saio a caminhar em liberdade!!!



Martim César

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Livro - Sentimientos y Vivencias - Histórias de vida

Dia 18 de julho, 19 horas - Na Biblioteca Municipal de Rio Branco

Lançamento do livro Sentimientos y Vivencias - Histórias de vida

De Willian Bordachar

Apareçam e prestigiem.


sexta-feira, 11 de julho de 2014

Allá por los años bravos del ochocientos noventa... Jorge Luis Borges



De uma noite na fronteira

Foi num bolicho de Rivera
Meio assim a contraluz
Que eu conheci Martin Fierro
E um tal de Sargento Cruz

E não é um causo, senhores
Eu les juro que foi assim...
Los dos gauchos desertores
Bem vivos diante de mim

Disso já faz muito tempo
E o tempo tem seus mistérios
Quem presenciou este encuentro
Já está em algum cemitério

Andavam buscando un hombre
Que se exilou no Rio Grande
E que tinha José por nombre
E por apellido Hernández

Queriam saber qual motivo
De viverem sempre penando
Por culpa, talvez, de um livro
Escrito quem sabe quando

Por certo, no fio da adaga
O autor soubesse – quem dera!
El dolor de uma vida vaga
De no mundo andar como fera

Se poupariam tantas vidas
A cambio de um só enterro
Antes de nascer, já esquecida
La vuelta de Martin Fierro

Foi bem assim... muitos viram
Nessa noite, lá em Rivera
Deram adiós e partiram
Pro outro lado da fronteira...!!!


Martim César

terça-feira, 8 de julho de 2014

Los amores cobardes no llegan a amores ni a historias; se quedan allí. Silvio Rodriguez



Um minuto antes do canto

Feito o sol quando a chuva se vai
Nesse cais que amanhece no olhar
Todo amor é um agora ou jamais
Uma luz que nos induz a cantar

Quando se abre a cortina da vida
A flor da pele é mais que uma flor
É emoção que dá ao canto sua cor
A aromar nossa voz mais sentida

Todo homem é tão só um menino
Quando diante de si tem o mundo
E descobre em seu canto profundo
Que esse sempre será seu destino

Ninguém sabe a razão do seu dom
Que magia se esconde em um verso
Mas se a canção, afinal, se faz som
Há um sentido no seu universo...!


Martim César

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Quando se abrem as cortinas da vida...



Canto de sol para um teatro fechado

Quantas vezes te assisti em segredo
Quando incendiavas as noites escuras
Por isso, hoje, eu te olho e não entendo...
Ah!Princesa onde está a tua cultura?

Quando de novo se abrirem tuas portas
E o riso voltar à tua gente
Mil atores saudarão tua volta
E os aplausos se ouvirão novamente

No mais sagrado altar do teu palco
Ainda ecoam antigas canções
Onde agora os fantasmas caminham
A vida sem graça já não vende ilusões...

Sete artes tem o meu universo
Sete estrofes de amor te ofereço
Quem não sabe o valor do teu verso
É por que pensa que tudo tem preço...

Era abril, eu me lembro, e cantavas
Melodias ao entardecer...
Era abril, eu me lembro, e bailavas
E uma princesa contigo sonhava
Esse sonho que eu não posso mais ter.

Quando se arredem, por fim, as cortinas
E saltimbancos pedirem por palmas
Verei mambembes, bufões, bailarinas
Trazendo à vida de novo tua alma

Então novamente estaremos contigo
Mesmo aqueles que já não estão
E outras vozes dirão que estás vivo
Não há quem pague o valor da emoção...



Martim César