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terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Tenho uma canção como bandeira....




Uma canção como bandeira

Desconheço uma canção
Que não seja uma trincheira
Como um sinal de rebelião
Tendo o amor como bandeira

Quando o verso se faz som
É uma flecha solta ao vento
Em que alguém modula o dom
De dar forma ao sentimento

Que cantar
É ver flor entre os espinhos
É buscar, mesmo sem vê-la,
A magia dessa estrela
Que nos apontará o caminho.

Que cantar
É lutar contra os moinhos
E trocar o eu por nós...
Quando alguém solta sua voz
Mesmo só... não está sozinho!

Desconheço algum poema
Que não exale liberdade
Um caminho sem fronteiras
Uma voz abrindo grades

Quando a palavra se entoa
E dá luz a uma canção
É uma ave que, enfim, voa
Pelos céus do coração...

Martim César



sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Um dia, homem, fita o oceano comovido, da mesma praia onde a infância em vão deixou... e já não entende o porquê de haver partido . Martim César



Memorial do chão

Mas como posso me esquecer desses lugares
Onde os meus sonhos se timbraram pelo chão
Se ainda resistem no lado oculto dos olhares
Se lá os meus passos de menino ainda estão?

Lembro um avô sempre a cuidar seus parelheiros
Rastros de um tempo que com ele se acabou
Bombacha e mango, voz altiva de uma raça...
De que penca de domingo seu cavalo não voltou?

Lembro que havia um jardim bem junto a casa
( dos seus cuidados minha avó fez a sua vida! )
Ainda tenho em minhas narinas seus aromas
Antes que o pátio fosse ausência e despedida

Seguir em frente é o que nos cabe por destino
Cada regresso nunca é mais que uma ilusão...
No entanto, às vezes, fecho os olhos e imagino
Que retorno à infância pelas mãos do coração!

E eu não preciso que me guiem... eu sei de cor!
Pois cada caminho que lá andei, conheço bem
Ao entardecer eu sempre ouvia a mesma voz
'Volta, meu filho... por que a noite logo vem...'

Lembro a cacimba e o frescor da àgua salobra
Que nos mormaços dava um fim à minha sede
Roldana e balde e esse rangido da saudade
Que hoje me invade nos retratos da parede

Por isso entendo que sou vida e sou memória
Que vem comigo e que a distância não dilui
Em cada linha que eu escrevo no presente
Vive o menino que há muito tempo eu fui.


Martim César

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

El tiempo, el implacable, el que pasó... Pablo Milanés


Punhais do tempo

A lâmina cortou a água
Partiu em dois o meu mundo
Atrás ficou minha infância
Em frente o tempo de adulto

Mas confesso, se eu pudesse
Ficava desse outro lado
Onde viver era um sonho
E não sonhar um pecado

Nesses dias já distantes
Eu voava sem ter asas
Nesse universo infinito
Que fica em volta das casas

Hoje repleto de ausências
Me vem na alma uma imagem
A vida é tal qual um rio
Cruzando entre duas margens

Onde estarão os brinquedos
Que um dia eu tive e perdi?
Talvez no chão das areias
Dos meus rastros de guri...

Por isso nesta jornada
Já quase chegando ao fim
Recordo esse tempo lindo
Que ainda resiste em mim

Já quase na outra margem
Miro as águas na distância
E uma barca de saudade
Me leva de novo à infância...

Lá um guri, pés descalços
Corre feliz... solto ao vento...
Não sabe que esse seu mundo
Dura um segundo no tempo.



Martim César

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Milonga de pelo largo y ojos oscuros como la noche... Dino


Noturna flor do meu pago

Milonga pura pra emborrachar-me nesta noite
Na seiva escura que me arde feito açoite
Bebida estranha que de sonhos me embriaga
Quanto mais bebo mais se abrem minhas chagas

No absinto do teu copo há um outro mundo
Nesse teu leito se esconde um rio profundo
Estranha lava que nos queima em melodias
Que vão brotando nos desvãos da poesia...


Milonga escura que escorre por meu sangue
Rito ancestral que a cada gole eu benzo e trago
Forjaste um povo desde o Prata até o Rio Grande
Canção do vento embalando a voz do pago

Milonga negra, índia, branca em mestiçagem
Cerne do Pampa, desde a copa até a raiz
Quando te entoo afirmo a minha identidade
Em teus acordes canta o sul do meu país


Milonga escura feito a noite que vivemos
Neste hemisfério de condores obscenos
Palavra livre nas gargantas dos cantores
Tuas guitarras não têm marcas nem senhores

Caminho largo onde habita luz e sombra
Com seus fantasmas tresnoitando velhas rondas
Caudal de som que leva o som de cada verso
Para cantar nosso lugar neste universo...



Martim César

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Solito, perto do fogo, como um bugre imaginando, escuto o Tempo rodando sem descobrir o seu jogo.Aureliano de Figueiredo Pinto




De uma tarde na distância



O fim de tarde se achegou numa tormenta
Daquelas brabas que aparecem nos janeiros
A escuridão impondo à várzea o seu silêncio
Poncho lobuno sobre as casas e os potreiros

Num antigo gesto, como herança dos avós
Pôs-se uma cruz feita a machado no terreiro
No velho ofício de espantar trovões e raios
E mudar de pronto o temporal num aguaceiro


Foi quando o vento assobiou por sob a quincha
E a polvadeira se alvorotou por um segundo
Meus olhos piás, bombeando tudo, assombrados
Tinham o tamanho dos sentidos deste mundo

Hoje ao lembrar-me dessas tardes que ficaram
Entre os galpões e a velha casa de uma estância
Vejo que o tempo trouxe nuvens bem mais densas
E tenho saudade dos temporais da minha infância


Depois a fúria calou-se assim... num de repente!
E mesmo a vida parou também por um instante
Como pousando para eternizar-se em um retrato
Até que um raio por fim tocasse tudo adiante

Quando o trovão encheu de som a imensidão
Clareando a tarde, da mangueira até a estrada
Pariu o céu - como em um regalo à natureza -
E nasceu a chuva a chorar em mangas d'água.


Martim César


segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Hoje é sempre, amanhã é nunca mais. Martim César



O poema que eu esqueci

Eu ontem fiz um poema
Pra ofertar ao meu amor
Mas como foi de memória
Quando eu dormi se apagou

Hoje quis ver se lembrava
Dos versos que eu tinha feito
Nem mesmo com reza brava
Já se apagou... não tem jeito!

Só recordo que eu deixava
Debaixo da tua janela
Uma flor toda encarnada
Que eu roubei da primavera

Só recordo que eu cantava
Como fosse um passarinho
E tu então me convidavas
Pra irmos juntos no caminho

Tu e eu, nós... e mais nada
Pra não mais sermos sozinhos!

Eu fiz ontem esses versos
Que eu tirei do coração
Mas guardei só de palavra
No papel não gravei não

Ainda noite era obra-prima
Manhazinha se desfaz...
Meu poema tão bonito
Se apagou... pra nunca mais!


Martim César

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

El tiempo pasa, nos vamos poniendo viejos... yo el amor no lo reflejo como ayer.... Pablo Milanés



Relógios invisíveis

Se passa o tempo e nós nunca o vemos
E se cada dia ele passa mais veloz
E se ao passar nem sequer o percebemos
Que tempo ainda será que temos nós?

Se ontem a nossa casa era imensa
Ou nós é que éramos tão pequenos
Será, talvez, por que há uma diferença
Do tempo depois que, enfim, crescemos

As pessoas vão sumindo do meu bairro
As velhas fotos cada vez são mais antigas
Mas, então, onde ficarão tantos abraços
Ainda não dados e abertos na partida?

São relógios invisíveis como garras
Que, ás vezes, se revelam nos espelhos
Nas rugas... cicatrizes de navalhas
Que nos cortam, dia e noite, sem sabermos

São relógios invisíveis como flechas
Das quais nós jamais estamos salvos
As mãos do arqueiro nunca erram
Cedo ou tarde, afinal, chegam ao alvo

Se passa o tempo e nós só o pressentimos
Feito um rio a seguir correndo sempre
Se há um mar que somente intuímos
Que tempo ainda é que temos pela frente?

Não mais que ontem o futuro só existia
Num lugar que sempre estava muito além
Como foi, então, que chegamos a esse dia
Que, por ironia, é passado hoje também?


Martim César

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Não existe pecado ao sul do Equador...


Notícias da Terra Brasilis


Trago notícias de uma terra muito boa
Que, Majestade, eu batizei de novo mundo
Onde as pessoas vivem tão somente à toa
E querem ser – de profissão – só vagabundos

Lhes perguntei se havia riquezas de ouro e prata
Para trocar por alguns velhos badulaques
Mas me disseram que no meio das suas matas
Só havia samba, batuqueiros e alguns craques

Entre essas novas, trago uma muito estranha
Vossa excelência nem vai crer... (mas é verdade!)
Que essa gente, dia e noite, aqui se banha
Enquanto nós... um banho ao mês já é quantidade.

Um outro caso que eu relato envergonhado
É que esse povo não tem roupa... nem juízo...
Com sol ou chuva, todo mundo anda pelado
Não tem pudor, mas meu senhor... é um paraíso!

Termino assim de lhe contar as novidades
E, por favor, me mande mais alguns cabrais
É por El Rei que iniciarei a mestiçagem
E me perdoe, Majestade...mas eu não volto
                                                        nunca mais!



Martim César

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

A poesia é uma arma carregada de futuro - Gabriel Celaya



Uma canção como bandeira

Desconheço uma canção
Que não seja uma trincheira
Como um sinal de rebelião
Tendo o amor como bandeira

Quando o verso se faz som
É uma flecha solta ao vento
Em que alguém modula o dom
De dar forma ao sentimento

Que cantar
É ver flor entre os espinhos
É buscar, mesmo sem vê-la,
A magia dessa estrela
Que nos apontará o caminho.

Que cantar
É lutar contra os moinhos
E trocar o eu por nós...
Quando alguém solta sua voz
Mesmo só... não está sozinho!

Desconheço algum poema
Que não exale liberdade
Feito um voo sem fronteiras
Ou uma luz abrindo grades

Quando a palavra se entoa
E faz nascer uma canção
É uma ave que, enfim, voa
Singrando o céu... do coração.



Martim César 

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Navegar é preciso... viver não é preciso. Fernando Pessoa



Notícias da Terra Brasilis


Trago notícias de uma terra muito boa
Que, Majestade, eu batizei de novo mundo
Onde as pessoas vivem tão somente à toa
E querem ser – de profissão – só vagabundos

Lhes perguntei se havia riquezas de ouro e prata
Para trocar por alguns velhos badulaques
Mas me disseram que no meio das suas matas
Só havia samba, batuqueiros e alguns craques

Entre essas novas, trago uma muito estranha
Vossa excelência nem vai crer... (mas é verdade!)
Que essa gente, dia e noite, aqui se banha
Enquanto nós... um banho ao mês já é quantidade.

Um outro caso que eu relato envergonhado
É que esse povo não tem roupa... nem juízo...
Com sol ou chuva, todo mundo anda pelado
Não tem pudor, mas meu senhor... é um paraíso!

Termino assim de lhe contar as novidades
E, por favor, me mande mais alguns cabrais
É por El Rei que iniciarei a mestiçagem
E me perdoe, Majestade, mas eu não volto 
                                                    nunca mais!



Martim César

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Aldyr Schlee, Dom Quixote, Sancho Pança, Paulo Timm e eu no FALA - Feira Alternativa em Jaguarão

Sexta Feira - 18 h - Biblioteca pública

Lançamento do livro - Contos da vida difícil - Aldyr Schlee

Esquete Dom Quixote de la Mancha

Músicas - Milonga por Don Sejanes e A viúva de Quinteros (Martim César/Paulo Timm)


A viúva de Quinteros

Ninguém sabe o paradeiro
Da viúva de Quinteros
Que se foi sem deixar rastros
Que partiu pra nunca mais...

Restou um rancho deserto
Olhando pra o campo aberto
E já esquecido por Deus
E mil causos na memória
Que tentam contar a história
Como de fato ocorreu

Mas ao certo ninguém sabe
Qual o seu fim ninguém responde
Se morreu, cadê o corpo?
Se partiu, se foi pra onde?

Viu seu marido e seu filho
Partirem na leva um dia...
Mas por que não retornaram
Se tantos sobreviveram?
Onde estão os prisioneiros
Da batalha de Quinteros?

As mulheres que ficaram
Não tinham lenço ou bandeira
Mas muito mais que seus homens
De muitas mortes morreram

Na ponta rubra da lança
Uma tesoura de esquila
Adorna o peito sangrado
De outro Blanco assassinado
E junto ao corpo estendido
Sempre um lenço colorado...

O mesmo lenço encarnado
Que se extraviou em Quinteros
E que reclama em silêncio
A morte dos prisioneiros

Morreram muitos depois
E todos de igual maneira
E viram um lenço rubro
Ao lado da esquiladeira
E – sempre - em seus enterros
A mesma mulher de negro



(Baseado no texto de Aldyr Schlee) Martim César