Um
avô chamado Darwin
Naquela
manhã de milhões de anos atrás, em pleno coração da África, um
distante avô de Charles Darwin comprovou a teoria da evolução das
espécies e – o que é muito estranho - antes mesmo dela ter sido
criada por seu famoso tataraneto. Ao erguer-se sobre as patas
traseiras, provocou alguns efeitos não muito fáceis de analisar. A
faculdade de poder olhar para a infinidade do céu tornaria aquele
ser diferente das demais espécies pois, a partir de então, daria
origem à propensão humana de questionar o universo que o cercava.
Isso derivaria na Revolução Francesa, no maio de 68, na revolta
camponesa de Emiliano Zapata, na crucificação de Espartacus, na
morte da família do último Czar, na primavera árabe e até na
minha saída às ruas, em um dia de chuva, para protestar contra o
mundo estabilizado. Mas, voltando no tempo, um longo tempo, por
sinal, havia muitas perguntas para fazer; e, naquele então, poucas
respostas para dar. Algumas explicações tardariam uma infinidade de
gerações; outras, talvez, jamais fossem respondidas. Esse pequeno
gesto - que seria repetido pelo homem doravante sucessivamente a cada
amanhecer - engendrou a mutação que o faria dominar o minúsculo
grão de areia que habitava, e que viria, posteriormente, a ser
chamado de Terra. Planeta Terra. Esse nome que viria muito depois,
pois, naquela era, e em muitas que se sucederam, só se sabia que
estávamos sobre o solo e embaixo do céu, e que havia horizontes. E, quando caminhávamos um pouco mais, horizontes após aqueles horizontes. Ao sustentar-se na vertical,
esse antes quadrúpede e agora bípede, percebeu a estranha
ociosidade dos membros dianteiros. Ou, quem sabe, intuiu mais do que
percebeu que as mãos, que eram há pouco patas, estavam soltas no
ar. Quando chegou o meio dia, sol a pino, esse ancestral avô
utilizou aquela nova condição para começar a fabricação dos seus
primeiros instrumentos. O seu cérebro, agora provocado, desafiado,
obrigado a dar função para as mãos, independentemente da sua
vontade, começou a crescer. Quando a tarde já estava se aproximando
do final, e a sempre perigosa escuridão se acercava, aprendeu a dominar o fogo –
não sem antes muito esforço, posto que fósforos, isqueiros, maçaricos
ou quaisquer aparatos do gênero não existiam, logicamente. Com ele, iluminado e aquecido, cruzou a noite. Os lobos foram se aproximando, e não foi em um piscar de olhos que se domesticaram, mas foram se
amansando, sim. E hoje estão nas nossas casas e não nos parecem tão ferozes. Alguns, claro, pois existem os hottweilers. Depois veio o dia e depois outro dia. E outro dia
depois do outro. Infinitamente. Enquanto isso, esse ser bípede, foi aperfeiçoando seus
instrumentos. Uma estranha necessidade de deixar um rastro para o
futuro também foi afastando-o dos demais seres. Pintou nas
cavernas. Afinal, que utilidade aquilo teria? Mas não havia que
perguntar sobre isso, pois ninguém lhe responderia. Havia que pintar, deixar rastros. Alguns esculpiram na
pedra, alguns moldaram o barro. Dessa forma inventou a arte, que, logicamente, não existia com esse nome e, portanto, não era passível de cobrança de direitos autorais. O homem, já um tanto orgulhosos de si e, buscando a
necessária sobrevivência da espécie, habituou-se a ensinar o que
aprendera aos seus descendentes e, com isso, engendrou a cultura.
Primeiro com os gestos, depois com a palavra que, a bem da verdade eram grunhidos que foram se
modelando às bocas, e as bocas, ainda toscas, acostumadas mais a comer que a falar, acostumaram-se, aos poucos, aos novos sons. Mais adiante inventou a
escrita, que derivou das pinturas e da necessidade de perenizar as experiências anteriores. Depois nasceu outro dia e,
embora fosse igual aos dias que o antecederam, ele - o homem - já
não era o mesmo. Carregava consigo a bagagem de conhecimentos
adquiridos em sucessivas gerações. E assim o avô chegou ao neto, e
os milhões de anos que os separavam não foram mais do que os
segundos que se leva ao lermos algumas palavras, talvez tolas como
estas, em uma folha de papel. Vidas humanas cruzando como em uma
corrida de revezamento. Os que chegaram antes: ensinando; os que
vieram depois: aprendendo. O avô tornou-se o neto e o neto tornou-se
o avô. Que é o avô de outro neto; e assim sucessivamente até
chegar aqui. Neste exato instante que agora, caro leitor, colega de
planeta e de espécie, já passou.
Martim
César
Nenhum comentário:
Postar um comentário