www.martimcesar.com.br

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Não são as espécies mais fortes que sobrevivem nem as mais inteligentes, e sim as mais suscetíveis a mudanças. Charles Darwin



Um avô chamado Darwin

Naquela manhã de milhões de anos atrás, em pleno coração da África, um distante avô de Charles Darwin comprovou a teoria da evolução das espécies e – o que é muito estranho - antes mesmo dela ter sido criada por seu famoso tataraneto. Ao erguer-se sobre as patas traseiras, provocou alguns efeitos não muito fáceis de analisar. A faculdade de poder olhar para a infinidade do céu tornaria aquele ser diferente das demais espécies pois, a partir de então, daria origem à propensão humana de questionar o universo que o cercava. Isso derivaria na Revolução Francesa, no maio de 68, na revolta camponesa de Emiliano Zapata, na crucificação de Espartacus, na morte da família do último Czar, na primavera árabe e até na minha saída às ruas, em um dia de chuva, para protestar contra o mundo estabilizado. Mas, voltando no tempo, um longo tempo, por sinal, havia muitas perguntas para fazer; e, naquele então, poucas respostas para dar. Algumas explicações tardariam uma infinidade de gerações; outras, talvez, jamais fossem respondidas. Esse pequeno gesto - que seria repetido pelo homem doravante sucessivamente a cada amanhecer - engendrou a mutação que o faria dominar o minúsculo grão de areia que habitava, e que viria, posteriormente, a ser chamado de Terra. Planeta Terra. Esse nome que viria muito depois, pois, naquela era, e em muitas que se sucederam, só se sabia que estávamos sobre o solo e embaixo do céu, e que havia horizontes. E, quando caminhávamos um pouco mais, horizontes após aqueles horizontes. Ao sustentar-se na vertical, esse antes quadrúpede e agora bípede, percebeu a estranha ociosidade dos membros dianteiros. Ou, quem sabe, intuiu mais do que percebeu que as mãos, que eram há pouco patas, estavam soltas no ar. Quando chegou o meio dia, sol a pino, esse ancestral avô utilizou aquela nova condição para começar a fabricação dos seus primeiros instrumentos. O seu cérebro, agora provocado, desafiado, obrigado a dar função para as mãos, independentemente da sua vontade, começou a crescer. Quando a tarde já estava se aproximando do final, e a sempre perigosa escuridão se acercava, aprendeu a dominar o fogo – não sem antes muito esforço, posto que fósforos, isqueiros, maçaricos ou quaisquer aparatos do gênero não existiam, logicamente. Com ele, iluminado e aquecido, cruzou a noite. Os lobos foram se aproximando, e não foi em um piscar de olhos que se domesticaram, mas foram se amansando, sim. E hoje estão nas nossas casas e não nos parecem tão ferozes. Alguns, claro, pois existem os hottweilers. Depois veio o dia e depois outro dia. E outro dia depois do outro. Infinitamente. Enquanto isso, esse ser bípede, foi aperfeiçoando seus instrumentos. Uma estranha necessidade de deixar um rastro para o futuro também foi afastando-o dos demais seres. Pintou nas cavernas. Afinal, que utilidade aquilo teria? Mas não havia que perguntar sobre isso, pois ninguém lhe responderia. Havia que pintar, deixar rastros. Alguns esculpiram na pedra, alguns moldaram o barro. Dessa forma inventou a arte, que, logicamente, não existia com esse nome e, portanto, não  era passível de cobrança de direitos autorais. O homem, já um tanto orgulhosos de si e, buscando a necessária sobrevivência da espécie, habituou-se a ensinar o que aprendera aos seus descendentes e, com isso, engendrou a cultura. Primeiro com os gestos, depois com a palavra que, a bem da verdade eram grunhidos que foram se modelando às bocas, e as bocas, ainda toscas, acostumadas mais a comer que a falar, acostumaram-se, aos poucos, aos novos sons. Mais adiante inventou a escrita, que derivou das pinturas e da necessidade de perenizar as experiências anteriores. Depois nasceu outro dia e, embora fosse igual aos dias que o antecederam, ele - o homem - já não era o mesmo. Carregava consigo a bagagem de conhecimentos adquiridos em sucessivas gerações. E assim o avô chegou ao neto, e os milhões de anos que os separavam não foram mais do que os segundos que se leva ao lermos algumas palavras, talvez tolas como estas, em uma folha de papel. Vidas humanas cruzando como em uma corrida de revezamento. Os que chegaram antes: ensinando; os que vieram depois: aprendendo. O avô tornou-se o neto e o neto tornou-se o avô. Que é o avô de outro neto; e assim sucessivamente até chegar aqui. Neste exato instante que agora, caro leitor, colega de planeta e de espécie, já passou.

Martim César


Nenhum comentário:

Postar um comentário