O
“Journal du Dimanche” de Paris de domingo trazia uma entrevista
com Daniel Cohn-Bendit, um dos lideres da sublevação popular que
quase derrubou o governo francês em maio de 1968 e que continua
atuando, como ativista e analista político, com o nome que
conquistou naquela primavera. Não é mais o irreverente Dani
Vermelho de 45 anos atrás, mas ainda é o remanescente mais notório
daquela geração que fez o então presidente de Gaulle pensar em
largar tudo e se mandar. Só mais tarde ficou-se sabendo como o velho
general chegara mesmo perto de renunciar. De Gaulle não era a única
causa da revolta que começou com os estudantes e empolgou Paris, mas
era um símbolo de tudo que os revoltosos não queriam mais. Se maio
de 68 não sabia definir bem seus objetivos, pelo menos tinha um
ícone vivo contra o qual concentrar seu fogo. Um conveniente símbolo
com dois metros de altura, um nariz dominador e a empáfia
correspondente.
A
chamada de capa para a entrevista de Cohn-Bendit era “Um perfume de
Maio de 68” e a matéria fazia uma comparação mais ou menos óbvia
do que acontece no Brasil com o que acontece na Turquia e o que
aconteceu nas recentes “primaveras” árabes e em 68 em Paris.
Óbvia e inexata. Nos países árabes a rua derrubou ditadores, na
Turquia a revolta é, em parte, contra um governo autocrático e
inclui, como complicadora, a luta antiga pela hegemonia religiosa. E,
diferente do maio de Paris, a combustão instantânea no Brasil ainda
não produziu seus Cohn-Bendits nem tem um De Gaulle conveniente como
um símbolo que resuma o que se é contra. Ser contra tudo que está
errado despersonaliza o protesto. Qual é a cara de tudo que está
errado? No Brasil tanta coisa está errada há tanto tempo que
qualquer figura, atual ou histórica, serve como símbolo da nossa
desarrumação intolerável, na falta de um de Gaulle. Renan
Calheiros ou Pedro Álvares Cabral.
Na
sua entrevista, forçando um pouco a cronologia, Cohn-Bendit diz que
68 foi o preâmbulo de 81, quando a esquerda chegou ao poder na
França. Junho de 2013 será o preâmbulo de exatamente o quê, no
Brasil? Aqui a esquerda, ou algo que se define como tal, já está no
poder. O que vem agora? O Marx tem uma frase: se uma nação inteira
pudesse sentir vergonha, seria como um leão preparando seu bote. Uma
nação envergonhada dos seus políticos e das suas mazelas está
inteira nas ruas. Resta saber para que lado será o bote desse leão.
Tempos
interessantes, tempos interessantes.
Luis
Fernando Verissimo, escritor
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