Procura-se
Procura-se
a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia
como um amor adolescente,
Ingênuo.
Descobrindo e descobrindo-se.
Como
o primeiro olhar de cumplicidade
E
o primeiro beijo. E a primeira lágrima de dor.
(E
não existe outro amor mais delirante).
Procura-se
a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia
contra a opressão,
Poesia
como um rio sem represas,
Poesia
libertária, abrindo grades,
Poesia
devolvendo o céu aos pássaros,
Poesia
sem preço, nem limites,
Poesia
como lenitivo, como bálsamo,
Poesia
contra as feridas deste tempo,
Poesia
contra quem nos fere,
Poesia
para quem nos fere,
Poesia
necessária, poesia imprescindível
Como
a água que bebemos.
Procura-se
a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia
de Neruda, eterna como as geleiras da sua terra,
Alta
como a cordilheira que moldou o seu canto inigualável,
Livre
como o condor, senhor dos ares ameríndios.
Poesia
com gosto de vinho, poesia cor de sangue,
Poesia
como o mar, belo e temível. Temivelmente belo.
Poesia
de Drummond, cortante como um punhal,
Feita
do ferro das suas minas não tão gerais,
Poesia
denunciadora como a Rosa de Hiroshima,
Poesia
gritando feito uma menina do Vietnam,
Nua.
Queimada de Napalm, gritando...
Ardendo
em chamas dentro de nós.
Procura-se
a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia
como um relâmpago na noite escura,
Como
o tímpano adivinhando o trovão
Que
ainda não veio, mas virá.
Poesia
como uma flor em meio ao charco,
Como
as gotas de orvalho sobre a relva,
Como
uma carta de amor no bolso de um soldado
Que
foi morto por outro soldado que
também
foi morto,
Ambos
assassinados por alguém que
nunca
foi à guerra.
Poesia
épica como a música de Serrat
Onde
Dom Quixote ainda enfrenta os cataventos,
E
García Lorca ainda está vivo,
Zombando
dos generais que o fuzilaram.
Como
o exemplo de uma mulher por trás das barricadas,
Defendendo
a frágil democracia de sua
imensa
Espanha
E
gritando: No pasarán!... No
pasarán!... No pasarán!
Procura-se
a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia
como um amor adulto, aparando arestas,
Buscando
completar um estranho quebra-cabeças
Onde
sempre está faltando alguma peça.
(E
não existe outro amor mais desafiante).
Poesia
como as mãos de Víctor Jara, tocando,
Mutiladas
mas ainda ali, tocando
Para
todos os opressores deste mundo, tocando
Para
os abutres disfarçados de defensores da liberdade,
Pois
cada Pinochet é somente um títere,
Perigoso
títere de uma ideologia onde o lucro
É
o único Deus e a águia é o símbolo do poder.
Procura-se
a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia
como o espetáculo indescritível das estrelas
Numa
noite clara, longe das cidades de neon.
Poesia
como as mãos de um escultor
Moldando
o barro, forjando o tempo.
Poesia
como o sutil traço de um pintor
Transformando
a matéria em sentimentos.
Poesia
desesperada como um suicídio,
Como
a dor das mães-avós da praça de maio,
Lutando
contra o silêncio e o esquecimento.
Procura-se
a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia
como flecha contra mísseis e satélites.
Poesia
como o pedaço de céu visto entre as grades
De
todos os cárceres do planeta.
Poesia
como a ausência das pessoas que perdemos,
Mas
que continuarão em nós, enquanto vivermos.
Poesia
como um barco regressando.
Poesia
incoerente e bela. Incoerentemente bela.
Como
o pranto solitário de Carlitos,
Como
a ternura inquebrantável de Guevara.
Poesia
necessária, poesia imprescindível
Como
o ar que respiramos.
Procura-se
a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia
como o último índio de uma raça,
Exposto
aos brancos como um animal exótico.
Poesia
como o grito igualitário de Zumbi
Sem
entender porque a cor difere os homens.
Poesia
como o coração de Chico Mendes
Sangrando
sobre o verde da amazônia.
Poesia
como os cem anos de solidão
A
que estão condenadas todas as Macondos
Deste
hemisfério culpado por ser inocente.
Procura-se
a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia
como um amor maduro,
Bebendo
a última luz do entardecer.
(E
não existe outro amor mais verdadeiro).
Poesia
necessária, poesia imprescindível
Como
o sol de cada dia.
Poesia
como alguém que dá sua vida
Por
um ideal, por um amor, por um amigo,
Poesia
como alguém que dá sua vida por alguém,
Sem
importar-se, que, afinal, está entregando
A
sua mais bela e - quem sabe -
Única,
necessária e imprescindível poesia.
Martim
César
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