Imagem: Torres García
E te chamaram de América...
Tu
que dormias no anterior a tudo,
Na
primavera dos tempos. Na infância do mundo.
Tu
que eras presente eternamente continuado.
Terra
embalada por sons naturais. Sinfonia perpétua.
Água
esculpindo nas pedras o rumo dos rios,
Floresta
soprando no vento o gérmen da vida.
Tu
que eras palavra de mil bocas.
Grunhidos
e sinais, latidos e canções.
Idiomas
de gente e bicho. Tu que eras vegetal.
Folha
sussurrando ao vento. Chuva respingando o chão.
Tu
que não precisavas nome de terra, pois eras a própria terra.
Tu
que antes eras pedra e árvore, areia e campo,
E
entre eles eras água, líquido vital, rumoroso e puro,
Eras
filete escorrendo da neve da montanha,
Eras
a primeira gota derretida ao sol e a segunda gota,
E
depois o córrego que cantou na linguagem das pedras
E
que, mais abaixo, encontrou outro córrego,
E
assim se tornou um riacho e que se juntou a outros
E
que se tornou rio que, de afluente em afluente,
Foi
crescendo, alargando margens, saciando bocas,
Até
desembocar, ruidoso e imponente, no mar amplo
e
insondável.
Rio
que antes irrigou as selvas, campos e sertões,
E
encharcou pântanos, e fecundou vales,
Sendo
a fonte onde se saciariam animais e homens
E
de onde nasceriam os vegetais que seriam domesticados
Para
servirem de alimento e de ofício cotidiano,
E
que, por fim, plantariam o homem em cada lugar.
Porque
tu semearias os homens nestas imensidões,
Vindos
de terras distantes, atravessando estreitos gelados,
Em
tempos imemoriais, em sagas que não foram narradas,
Por
serem anteriores a estas eras, a estes tempos,
Mas
que foram tão reais que ainda estão em nossos gens,
Na
adoração ao fogo, na sobrevivência ao frio,
No
lobo renascido em cão, ainda hoje enterrando ossos,
Para
um inverno que já não é igual,
Mas
que sobrevive, implacável, em sua memória.
Os
homens, que também viriam em barcos, desde o poente,
De
lua em lua, de ilha em ilha, de geração em geração,
De
fogueira em fogueira, vencendo ondas e penhascos,
Até
alcançarem estas paragens de onde não mais sairiam.
E,
assim, por milênios te cruzaram de norte a sul,
De
oeste a leste, da cordilheira à pampa,
Da
floresta ao deserto, dos médanos até o mar.
E
se entrecruzaram, misturando seus sangues,
E
enredaram suas mãos e seus pés feito raízes,
E
pariram novos deuses da chuva e do trovão.
E
foi só então que os sons começaram a te nomear,
Só
então começaram a musicar teus nomes.
Porém
não eras América ainda, e sim a terra.
Somente
a terra, ainda sem nome, ou de muitos nomes,
Desde
o mundo Alakaluf, no extremo sul,
Gelado
e aquático, nevado e canoeiro.
Até
o povo Inuit no extremo norte do mundo,
Também
feito de gelo e de água, de nevascas e de vento,
Na
brancura eterna dos confins deste hemisfério.
E
entre esses dois lugares, nas distâncias abissais,
Sob
as noites de infinitas estrelas e planetas,
Objetos
misteriosos que se moviam sem parar,
Forjavam-se
homens e mulheres, mulheres e homens,
Cada
vez mais, noite após noite, vida após vida,
Para
que um dia tivesses esse nome que agora escrevo,
Esse
nome que veio de longe, de outros mares,
E
que levamos como filhos que não puderam escolher
Com
que palavra se reconheceriam, com que som,
E
que não sabemos se nos cabe, mas que ouvimos
E
que quando nos chamam, orgulhosos ou contrafeitos,
Jamais
indiferentes, atendemos.
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