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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Todo está clavado en la memoria, espina de la vida y de la historia - Leon Gieco



Por onde passou o Condor


Dizem que nunca morreram.
Que estão aí. Que renasceram uma e mil vezes,
Por mais que os fuzilem.
Por mais que os desapareçam.
Por mais que pensem que eles se calaram.
Estão aí... Hidalgo se chamam. Morelos também. E Zapata.
E centenas mais. Milhares mais. Milhões mais.
Pois têm a estranha mania de se multiplicar.
E, assim, causar a fúria dos que se creem acima dos mortais.

São esses meninos que enfrentarão os tanques,
Com uma flor para ofertar.
São essas meninas que aparecerão nos jornais,
Como perigosas guerrilheiras,
Como desajustadas crias de uma família cristã.
Essas que teriam tudo para serem devotas e obedientes,
Mas não são. Pois têm o bendito defeito de se rebelar.
Maravilhosas ovelhas negras
Que não se curvarão jamais frente à opressão.
Rigoberta se chamam. E Maria Helena. E Delmira. E Anaclara.
Aí estão... rompendo os casulos hipócritas de um poder
Que se sustenta alimentando a si mesmo.

São esses que não se submetem ao poder dos poucos
Que querem comandar a muitos,
Argumentando que sempre foi assim,
Por que assim Deus quis...
E o Deus que assim quis foi, é claro, o dos seus altares,
Onipresente e opressivo, rico e conservador.
Um Deus homem, por supuesto.
E que deve ser chamado de senhor...
A quem devemos fé e submissão.
Esse que não é o dos sem-teto e o dos sem-terra,
Embora se disfarce como se assim fosse.
Esse que não é o dos milhões de subjugados
Por todos os cantos deste mundo,
Pelos séculos dos séculos, amém.

Dizem que seguem mais vivos do que antes,
Que suas vozes transcenderam os calabouços.
Que são muitos e que gritam por justiça,
Mais do que nunca.
Dizem que a terra que os cobriu
Não conseguiu encarcerar as suas almas.
Elas sussurram. Elas murmuram. Elas falam.
Elas gritam pelas bocas dos homens novos.
Das mulheres novas. E elas não pedem. Exigem!
Elas não reclamam, vão em busca!
Constroem o futuro. Preparam o caminho.
São vozes de Martí. De Neruda. E de Sandino.

São vozes de Guevara. E de Lamarca. E de Zumbi.
São vozes de Lilian e Universindo. De Juan e de Rodolfo.
São palavras de Allende, ressoando dentro de nós.
São alamedas por onde cruzam os homens novos.
As mulheres novas, sem dogmas nem preconceitos.
Os que construirão esse futuro que mais cedo que tarde,
Ainda chegará. Onde o homem não será o algoz do homem.
Onde, enfim, saberemos que todos somos um só.
Onde o mais humilde será o mais privilegiado
Como nos disse, certa vez, um dos primeiros visionários
Desse tempo que um dia ainda haveria de chegar.

São vozes de Violeta, de Dolores e de Elena.
De Elena, sim, e de sua mãe Tota Quinteros.
Nunca se esqueçam! Arrancadas da vida para a eternidade.
Uma pelas lembranças, cada vez mais vivas, de sua filha,
Pelo amor infinito que deveria ser o de todo ser humano.
Outra pelas garras dos chacais protegidos por suas fardas.
Elas aí estão. E eles, os chacais, há muito já se foram.
Que a terra nunca lhes seja leve.
Que a mãe-terra os deserde e lhes pese sobre os ossos.
E mesmo os que ainda vivem estão mortos,
Tentando se esconder, em vão, atrás de justificativas inúteis,
Pois a obediência devida e o ponto final já não lhes protegem.
Já não lhes servem de escudo. Não disfarçam suas garras.
Não lhes salvaguardam a consciência. Não lhes absolve.
Não lhes defendem da visão dos seus atos sanguinários.

Pois esses que usaram a espada contra a utopia,
Esses que covardemente se esconderam atrás de fuzis,
E de canhões. E de metralhas, covardemente,
Como abutres devorando a própria espécie,
Esses morreram e morrerão para todo o sempre,
Com seus nomes esquecidos. Manchados.
Apagados. Por não merecerem nossa voz.
Estarão, para sempre, condenados pela infâmia e o ostracismo.
E os que forem lembrados alguma vez,
Só viverão por instantes. Por breves instantes,
Para poderem morrer de novo. E de novo. E outra vez.
Cruzando os círculos de Dante até chegarem ao último,
Onde estarão instalados até o final...
Sim... até o esperado final do final dos tempos.
No último círculo. No último. E se houver outro...
Um último círculo além do último. Ali estarão.
Para sempre... para todo o sempre.


Martim César




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