(Imagem do livro extraída do Tótem de Cléber Carvalho)
América,
dá-me teu silêncio...
América
dá-me tuas sonoridades, teus nomes esquecidos,
Tua
música criada desde o fundo dos teus espíritos de selva,
Dos
teus nomes de pedra e barro, de salitre e de cobre.
Dá-me
teu silêncio e teu martírio, teu pranto e teu lamento,
Porque
eu preciso contar, ainda que não me escutem,
Ainda
que estes tempos já não queiram te lembrar,
Eu
preciso recordar. E te busco, desde os confins da memória.
Desde
a noite dos tempos, desde as primeiras fogueiras.
Ahoniken,
povo Tehuelche, Selknams e Yaganes,
Chonos,
Huilliches, Payos e Kawésqars canoeiros,
Todos
eles e outros mais te miravam desde o sul.
Ou
desde o mundo anterior ao sul. Muito antes do sul.
Porque
não havia sul nem norte, oeste ou leste.
Havia
o mundo. Existiam as estações. O dia e a noite.
Existiam
as ilhas e as geleiras, o temporal e a ventania.
E
existia o mar que era o final e o começo de tudo.
América,
dá-me teu canto mais sentido, teu silêncio aborígene,
Tuas
palavras naturais, teu idioma híbrido de gente e terra,
Tuas
noturnas visões de um céu misterioso e intocado.
Mapuches
e araucanos te miravam desde onde o sol nascia,
Te
adivinhavam sob as luzes infinitas do firmamento,
Sob
a pálida e gigantesca lua, com suas formas variáveis,
Debaixo
de mil constelações, de poeiras incandescentes,
Desde
onde milhares de estrelas surgiam a cada anoitecer.
Ali
cruzavam as montanhas, tão altas como deuses impassíveis,
Ali
admiravam o voo dos condores de gigantescas sombras,
Ali
imitavam e reverenciavam os silenciosos pumas caçadores.
E
foi assim por milhares de luas e por quase infinitas gerações,
Por
incontáveis noites de histórias e de cantos ao redor do fogo,
Por
milhares de caçadas de focas e guanacos, de lobos e baleias.
Até
que um dia, de repente, apareceram os primeiros vestígios
De
que tudo acabaria, de que o final viria pelas mãos do mar,
O
mesmo misterioso mar que trazia alimento a tantos povos.
Ruído.
Vozes. Alarido. Estranhas palavras tocadas pelo vento.
Rumores
agudos e metálicos que este mundo jamais ouvira,
E
que trariam o cheiro da morte humana a estes confins.
Foi
quando assombrosas casas de madeira chegaram até aqui.
E
delas saíram homens pálidos e barbudos, metálicos e hostis.
E
mesmo os não ferozes, trouxeram males que não conhecias.
América,
dá-me todas as imagens de dor, todas as tuas chagas,
E
ainda assim serão poucas para contar tudo o que sucedeu.
América,
dá-me teu silêncio mais profundo, tua canção sentida,
Feita
de vento e de pedra, de neve e de água, de silêncio, enfim.
De
silêncio. Sim... de silêncio.
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