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sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Quando eles vieram tão pouco possuíam, porém se diziam donos desta terra... Martim César

(continuação - a Enilton Grill)


(Imagem do livro extraída do Tótem de Cléber Carvalho)


América, dá-me teu silêncio...

América dá-me tuas sonoridades, teus nomes esquecidos,
Tua música criada desde o fundo dos teus espíritos de selva,
Dos teus nomes de pedra e barro, de salitre e de cobre.

Dá-me teu silêncio e teu martírio, teu pranto e teu lamento,
Porque eu preciso contar, ainda que não me escutem,
Ainda que estes tempos já não queiram te lembrar,
Eu preciso recordar. E te busco, desde os confins da memória.
Desde a noite dos tempos, desde as primeiras fogueiras.

Ahoniken, povo Tehuelche, Selknams e Yaganes,
Chonos, Huilliches, Payos e Kawésqars canoeiros,
Todos eles e outros mais te miravam desde o sul.
Ou desde o mundo anterior ao sul. Muito antes do sul.
Porque não havia sul nem norte, oeste ou leste.
Havia o mundo. Existiam as estações. O dia e a noite.
Existiam as ilhas e as geleiras, o temporal e a ventania.
E existia o mar que era o final e o começo de tudo.

América, dá-me teu canto mais sentido, teu silêncio aborígene,
Tuas palavras naturais, teu idioma híbrido de gente e terra,
Tuas noturnas visões de um céu misterioso e intocado.

Mapuches e araucanos te miravam desde onde o sol nascia,
Te adivinhavam sob as luzes infinitas do firmamento,
Sob a pálida e gigantesca lua, com suas formas variáveis,
Debaixo de mil constelações, de poeiras incandescentes,
Desde onde milhares de estrelas surgiam a cada anoitecer.

Ali cruzavam as montanhas, tão altas como deuses impassíveis,
Ali admiravam o voo dos condores de gigantescas sombras,
Ali imitavam e reverenciavam os silenciosos pumas caçadores.

E foi assim por milhares de luas e por quase infinitas gerações,
Por incontáveis noites de histórias e de cantos ao redor do fogo,
Por milhares de caçadas de focas e guanacos, de lobos e baleias.

Até que um dia, de repente, apareceram os primeiros vestígios
De que tudo acabaria, de que o final viria pelas mãos do mar,
O mesmo misterioso mar que trazia alimento a tantos povos.

Ruído. Vozes. Alarido. Estranhas palavras tocadas pelo vento.
Rumores agudos e metálicos que este mundo jamais ouvira,
E que trariam o cheiro da morte humana a estes confins.

Foi quando assombrosas casas de madeira chegaram até aqui.
E delas saíram homens pálidos e barbudos, metálicos e hostis.
E mesmo os não ferozes, trouxeram males que não conhecias.

América, dá-me todas as imagens de dor, todas as tuas chagas,
E ainda assim serão poucas para contar tudo o que sucedeu.

América, dá-me teu silêncio mais profundo, tua canção sentida,
Feita de vento e de pedra, de neve e de água, de silêncio, enfim.



De silêncio. Sim... de silêncio.

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