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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Yo era el rey de ese lugar, aunque muy bien no lo conocía... Sui Generis

 

O rei

Quando Cirilo Bocaiúva resolveu auto-proclamar-se rei, quase todos caçoaram dele. Outros - poucos, é bem verdade - mantiveram um constrangido silêncio, talvez já desconfiando das possíveis conseqüências daquela intempestiva atitude.’Onde se viu? – Gritaram uns – A monarquia não vingou neste país e, agora, mais de um século depois, vem um demente falar de realeza... Ora veja! Mas que coisa mais sem fundamento! É só um louco solitário gritando coisas disparatadas!’ Os outros, cautelosos, continuaram quietos. Em silêncio ficaram, não por que o auto-proclamado rei estivesse louco e, sim, por que haviam já se acostumado aos seus rompantes costumeiros e, assim, já adivinhavam aonde chegaria tal propalada coroação. De tempos em tempos lhe surgia uma nova vocação, uma nova ideia genial, um novo caminho messiânico capaz de salvar quem lhe quisesse seguir de todos os males presentes e futuros. Obviamente, dizia ele, não lhe importava salvar a humanidade - que esta era negligente e acéfala por natureza, asseverava - porém salvaria àqueles privilegiados que conseguissem ver o mundo com os olhos do conhecimento. Do seu conhecimento. Quem quisesse seguir idealismos baratos, que não os seus, estavam - por algum desígnio que não fazia muita questão de explicar – fadados ao fracasso. Estrondoso fracasso. Não lhe criam? Pois que esperassem. O tempo, sempre ele, haveria de lhe dar razão.
Impassível. Indiferente à ignorância da plebe, e com todas as pompas que uma fantasia de carnaval e que um pequeno séquito de incrédulos cortesãos permitiram, coroou-se rei. Rei Julius I denominou-se. Mitram Rasec, conhecido como ‘o turco’ (mas que, na verdade, era árabe), seu mais ferrenho opositor, perguntou-lhe, com um sorriso de indisfarçável ironia: ‘Julius, como Júlio César... o imperador? Não!- Contestou - Júlio César, como o próprio nome já diz, era César, ou seja, imperador. Eu ainda não tenho um império conquistado e, portanto, sou apenas rei... por enquanto... por enquanto...’
A mudança começou a ocorrer, no princípio, lenta, gradual e, depois , de forma vertiginosa, quando o rei concedeu, através de um édito, os seus primeiros títulos de nobreza. Os seus seguidores foram contemplados, conforme a fidelidade e a capacidade administrativa de conduzir o reinado (esta aferida pela realeza, obviamente); tornando-se barões, condes, viscondes, e até mesmo duques. Em uma cerimônia que ocorria semanalmente nas dependências de um bar (que, nesse ínterim, havia se transformado - ao menos para aqueles frequentadores - em castelo) havia sempre um novo nobre recebendo o seu título. Conde de Cacimbinhas, Barão das Pedras Brancas, Visconde de Airosa Galvão, Duque do Cerro Chato e assim por diante. Estes, enobrecidos, se antes acompanhavam sua majestade mais por ver aonde iria chegar tal aventura, agora já se moldavam à nova condição. Nos encontros já se cumprimentavam à maneira dos nobres. ‘Como anda o senhor Conde de Pedras Altas? Não tão bem quanto o senhor Duque do Arroio do Meio... não tão bem...’
Quando os primeiros passaram a usar cartolas e roupas extravagantes para o calor dos trópicos, já não causaram a estranheza que seria de se esperar. Em breve o que parecia ser uma peça de teatro ou um regresso a um passado distante, tornou-se corriqueiro. Automóveis foram trocados por carruagens. Motoristas por cocheiros. Pombos foram novamente amestrados para servirem de correios. Nos saraus, agora redimidos, o minueto e a valsa passaram a serem tocados novamente. E todos, ou quase todos, rendiam homenagens ao rei. Ao grande rei Julius I. A paz e a alegria haviam regressado. Não mais se discutia política. Afinal, não poderia haver oposição a um rei. Não mais desvios de verbas. Não mais direita ou esquerda. Não mais eleições conturbadas. Não mais... não mais...
A população, plebeia como deve ser a população de um reinado, certa de que aquele rei era uma espécie de messias, pois, afinal, os reis são escolhidos por direito divino, gritava nas ruas: ‘Vida longa ao rei Julius I... vida longa à família real’. Família, esclareça-se, porque o rei, arvorando-se no seu legítimo direito, estava para se casar com uma das aldeãs, a mais bela do seu reinado, a qual, logicamente, não pôde recusar o nobre privilégio de ser rainha, mesmo sabendo que o rei não deixaria de ter os agrados de várias cortesãs e concubinas, como, aliás, cabe a todo rei que se preze.
Passado algum tempo, incluindo nisso as bodas reais com todas as festividades inerentes a uma festa de tal envergadura, ninguém mais se atrevia a sequer discutir o advento da monarquia. Ninguém mais... exceto uma pessoa: o turco, melhor dizendo árabe, Mitram Rasec. Mas seja por ter ficado sozinho pregando que todos os outros eram lunáticos seguindo um lunático-mor, seja por terem seus argumentos se tornado repetitivos, já não havia quem lhe desse ouvidos. Quando ele ensaiava a sua ladainha, algum nobre passante, fosse conde, barão ou duque, contestava para os demais transeuntes:
  • É só um louco solitário gritando coisas disparatadas!
No entanto, depois de muito aguentar queixas recorrentes dos seus súditos contra as ofensas morais e ao mau exemplo dado pelo insolente, o rei resolveu adotar medidas drásticas. Instituiu a pena de morte por enforcamento e o turco, aliás, árabe Mitram Racec foi o seu primeiro usuário. Foi uma festa até maior que o próprio casamento real. O verdugo foi um dos últimos amigos a abandonar as ideias anti-realeza do infeliz turco, isto é árabe Mitram Racec. Aceitara tal incumbência para provar a sua fidelidade ao soberano, preservando, assim, o seu adorado pescoço. Carrocinhas de pipoca. Cambistas vendendo os melhores lugares junto ao cadafalso. Faixas com dizeres tais como: ‘Morte ao infiel’ ‘Estamos com o rei’ ‘ O rei é o nosso protetor’ e por aí afora. Cânticos organizados tais como:’ Hei, Hei, Hei... Julius é o nosso rei’, e tantas outras coisas tão comuns a tais festividades.
Os detalhes que se seguiram não vêm muito ao caso serem contados. Apenas é relevante dizer que o turco, leia-se árabe Mitram Rasec, subiu ao cadafalso, a sentença real foi lida, os tambores soaram e zás... a única cabeça contestadora do reinado de Julius I rolou pelo empedrado feito uma bola de futebol. E a plebe, de fato, usou-a como tal. Uma correria só.
O rei, desde a posição privilegiada do segundo andar do botequim, ou seja, do castelo, pensou para si: O tempo, meu incrédulo amigo, afinal me deu razão. Touché!

Muitos anos depois, um neto desse primeiro rei, após vencer diversas batalhas contra aldeias adjacentes ao seu reino, sagrou-se imperador com o pomposo nome de Julius César III. Infelizmente para ele, aproveitando-se do enfraquecimento interno da corte (isto ocasionado em muito pela ambição desmedida dos seus súditos), um plebeu oriundo de uma seita chamada Confraria dos Céticos insuflou a população contra o seu soberano. Esse líder insurgente era descendente direto daquele agitador que fora o infeliz inaugurador da forca real. Chamava-se Rebelc Rasec. Depois de uma revolução sangrenta o castelo foi tomado e o imperador foi colocado no próprio cadafalso que o seu avô criara. Dizem os que presenciaram a execução que, na hora em que a guilhotina caía sobre o régio pescoço, um louco fantasiado de bobo da corte, dando cambalhotas e jogando para o alto e embaralhando o que parecia ser uma coroa, gritava para a multidão:
- Viva a anarquia! Abaixo o rei! Viva a anarquia!

Martim César

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