Canto
al General
Desde
a minha casa, Neruda
Não
tão terrestre e marinha
Não
tão íntima e universal quanto a tua
Eu
te escrevo.
Muitos
anos já escorreram
Rápidos
como
esses violentos rios
da
tua cordilheira poética.
Muito
tempo para os relógios humanos
Mas
quase nada
ou
nada para o eterno tempo da poesia.
Estás
vivo!
Mais
do que eu, hermano mío!
Mais
do que eu!
E
seguirás vivo bem depois
que
os meus minutos já não forem contados.
Mas
eu não quero te fazer uma homenagem.
As
homenagens, os louvores, as elegias
não
te valeriam de muito.
E
sempre te valeram mais os olhares do povo.
As
mãos calosas da tua gente,
que
são como pedras brutas tiradas
de todas as minas
do mundo,
de
todos os calabouços terrestres
de
todos os subterrâneos úmidos e escuros
do
planeta.
Sempre
te valeram mais
as
portas abertas daqueles que te acolheram
como
um a mais em suas famílias.
dividindo
os seus cotidianos de luta por dignidade
por
um sonho ou pelo prato da próxima refeição.
Por
isso não venho te reverenciar
Jamais
te colocaste em um altar!
Tua
poesia foi escrita em papéis de enrolar pão
Em
jornais escritos sob a artilharia do inimigo
(eternos inimigos
da tua poesia libertária
da tua poesia
humana. Igualitária)
Tua
poesia foi lida nas trincheiras. No front.
E
falava de paz
Tua
poesia alimentou muitas utopias
em
tua frágil Espanha.
em
teu traído Chile
Foi
a arma indelével dos que enfrentaram tanques e canhões
Guernica
ardia sob os aviões de Hitler.
Santiago
ardia sobre os canhões entreguistas.
A
democracia do mundo ardia sob as hostes de Franco.
Mas
tua poesia ardia também.
Estrela del Sur.
De los mares del
Sur.
Tua
poesia ardia aquecendo os corações de cada Quixote.
Fosse
ele um Lorca, um Víctor Jara
ou
um soldado desconhecido.
Não
foi por acaso que um livro teu
estava
nas mãos de um cristo latino-americano
que
encontrou a sua cruz nas selvas bolivianas.
Foste
a poesia operária de um século.
E
a poesia de amor.
E
a poesia de sol.
E
a poesia de pedra.
E
a poesia de mar.
(La
tierra se llamó Juan).
De
um século que sonhou que o homem não mais seria
o
predador do homem.
Um
século que sonhou que a luz chegaria abrindo as janelas
de
todos os porões do mundo.
E
ainda que tantas vezes massacrada, destroçada, metralhada,
a tua poesia se
levantou, como as flores de cada primavera.
Pois
sabemos que podem fuzilar os poetas,
mas
a poesia não se cala.
Bebe
do próprio sangue e o transforma em vinho e néctar para que outros
poetas se embriaguem com a beleza do mundo.
Tu
sabes também, Federico, tu bem sabes do que escrevo.
A
vida se esvai, a poesia não.
E
passam tenentes e capitães
E
passam coronéis e generais
Passam
que passam
Rumo
às barricadas da República espanhola.
E
passam tanques e aviões
E
passam traidores vestidos de patriotas
Passam
que passam
Rumo
ao palácio de La Moneda.
E
passam marionetes gritando liberdade
E,
desde as torres do mundo, esfregam as mãos
Os
vendedores de pátrias repetindo para suas almas: liberdade!
Liberdade,sim...
mas de mercado.
E
passam anos, governos, décadas, revoluções...
Passam
que passam
Mas
a tua poesia não passa. Perdura.
Morre
e renasce em cada sonhador.
A
tua poesia que é a irmã daquelas que engendraram Alberti, Machado,
Lorca, Guillén, Maiakovski, Benedetti e tantos outros.
A
poesia de Cervantes. Do Quixote, mais real que todos nós.
Ou
a de Allende, que é o mesmo que dizer Quixote.
Ou
a do mais humilde mineiro do teu Chile.
Ou
a do mais pobre camponês da mais pobre
região
da Terra.
Eis
o teu legado, Neruda.
Já
não se encantarão meus olhos com os sonhos que perdi.
Mas
meus olhos sempre se encantarão com os versos que deixaste.
Teus
versos de capitão de navios utópicos.
Como
aquele legendário Winnipeg que zarpou rumo ao sul
para
salvar tantas vidas ameaçadas pelo fascismo.
Minha
canção não é desesperada. Devia ser, mas não é.
Outro
século nasceu e os mesmos inimigos do homem seguem nos seus papéis
de predadores.
Explorando
para acumularem o que não poderão gastar em mil vidas terrestres.
E
ainda que se utilizem de novas táticas para conseguirem velhos
privilégios, são os mesmos de sempre.
Estão
aí.
Mas
não posso me desesperar.
Descobri
que a tua poesia nos redime.
Nela
a integridade de um ser humano vence a eterna batalha entre a luz e a
escuridão.
Nela
descobri que apenas uma luz (uma só!) pode acabar com um espaço
quase infinito de escuridão.
E
esse é, talvez, o segredo de cada estrela em nosso firmamento.
O
segredo que sempre persegui desde que ainda criança,
comecei
a olhar para o céu e questionar...
A
me questionar.
Vives,
Neruda, vives!
Em
teus livros.
Em
tuas casas tão plenas de ti.
Em
teus poetas seguidores
No sonho de cada
camponês la tierra se llama Juan.
Nuestra
terra, amigo.
Em
cada pedra dessa cordilheira está o idioma do teu Canto General.
Guardado
pelos séculos dos séculos.
Até
o último homem se petrificar também.
E
com ele estará a tua poesia infinita.
E
se um dia, em um futuro impensável, ele retornar à vida
O
idioma que falará será o nerudiano.
Posto
que é o que contém todos os materiais deste planeta.
Vives!
E
eu, neste instante que escrevo, ainda vivo aqui,
compreendo
que estarei em breve muito menos
vivo
do que tu.
Mas
que importa? Vives. E isso me reconforta.
Pois
em ti viverei também.
Em
tua poesia que é um oceano que irriga
o
pequeno rio de versos que construo.
Mas
que sabe do teu imenso caudal.
E
sabe, também por ti, vencer as represas deste mundo.
Por
isso eu, vivo aqui, diante do teu imenso rastro de luz,
venho
saudar-te, hermano mío.
Levanto
a minha copa e celebro à tua poesia...
Ou
celebro apenas à poesia!
Que
sabemos, cá entre nós, é exatamente o mesmo
que dizer
Neruda.
Martim
César
Me curvo em reverência aos poetas como Neruda, e a seus seguidores...como você! Parabéns!
ResponderExcluir