Revelia
Ao papel em branco, contraponho o meu desafio.
Mas
não se fiem demais nas minhas palavras.
Ou
melhor, fiem-se nelas, mas não em mim.
Não
queiram atrelá-las ao que eu sinto.
Não
digam que me entendem por que leram
Algo
que eu, algum dia, escrevi.
Não
levantem comparações entre o criador e a criatura.
Como se o filho
tivesse que seguir os mesmos passos do pai.
Digo que isso não
é verdade. Não necessariamente verdade.
Os filhos criam
asas e depois descobrem o seu próprio céu.
As palavras também
possuem asas. E voam. Para o lugar que bem entenderem.
Posso estar triste
e as palavras saírem festejando, como saltimbancos, pelas ruas de um
poema.
Posso estar alegre
e elas, talvez por pirraça, colocarem uma lágrima no meu texto.
À minha inteira
revelia.
As palavras são
rebeldes. Prisioneiras que estão dos cárceres da gramática, quando
se libertam, saem por aí, feito doidas, levantando suas bandeiras.
As palavras têm
vida própria, muito embora pareçam mortas nos dicionários.
Elas,
por exemplo, podem dizer que tudo o que escrevi é uma mentira.
Inclusive que é mentira o que eu acabo de escrever. E eu terei que
aceitar.
Porque as palavras
possuem asas.
Não me acreditam?
Sim, eu sei. Eu
pedi que não se fiassem em mim.
Porém, ainda
assim, repito: as palavras possuem asas.
Procurem nos
dicionários. Qualquer um.
Por certo lá
estará escrito em algum lugar: “asas”.
E não se admirem
se, ao abri-los, os livros
Feito pássaros,
naturalmente saírem voando.
Martim
César
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