Alforria
Peito nu, canela em sangue...
Só o canto das senzalas alivia um pouco a dor
Das
feridas salgadas na carne negra.
O
pranto vertido em suor em estranhas terras de além-mar,
As
cicatrizes que por vezes ainda se abrem
Como
que prenunciando a tormenta
De
tempos em tempos, geração após geração...
Que
silenciem as chibatas
E
se acabem os algozes... para sempre!
Que
nunca mais seja o teu sangue o alimento
Dessas
aves de rapina em forma humana... para sempre!
Que
não se distinga o homem do homem
A
não ser pela sua bondade ou crueldade... para sempre!
Aí
estão as cercas de pedra
E
os casarões pelos campos,
Aí
estão as cidades com suas construções centenárias...
Testemunhas
caladas deste Sul cantado em versos.
Aí
estão...
Mas
o que guardam em si é muito mais do que mostram
Para
o olhar dos turistas e passantes...
O
que a história não diz,
-
Talvez por pouca memória ou por pensado descaso -
É
que cada pedra moldada, cada tijolo sentado
Tem
o calo das tuas mãos, tem o sal do teu suor
Erguendo
um novo país.
Aí
estão as charqueadas...
Imponentes
abatedouros de vidas e almas,
Que
parecem tão mudas agora
Mas
se pudessem falar
Contariam
dos grilhões e das argolas
Dos
ferros rompendo a carne de feras e de homens...
Da
dor que prefere a morte
Mas
que não tem direito a morrer.
Depois
de tanto desterro
Já
não recordava os dias
Em
que os caçadores de homens chegaram.
Então,
tocados como animais,
Pararam
no oceano... no infame porto da Mina,
Ou
em outros, tão infames quanto ele.
Isso...
os que não morreram lutando,
Ao
verem seus filhos mortos,
Ao
verem seus pais trucidados,
Ao
verem seu mundo acabado
Num
grito de nunca mais!
Já
não lembrava que nos portos,
-
Feito gado arrebanhado -
Eram
acorrentados e jogados nos tumbeiros
Rumo
à travessia assassina
Que
nenhum pesadelo é capaz de descrever.
Já
nunca mais a mãe-áfrica,
Já
nunca mais o seu lar,
Agora
era em volta o mar,
O
banzo, a peste e o naufrágio...
E
por mil vezes foi assim
Em
um crime quase sem fim
Sem
nome, pena ou idade
Que
manchou a humanidade
Com
a maldição de Caim.
Depois,
os teus ancestrais,
Não
mais do que mortos-vivos,
Sobreviveram,
cativos,
Mas
sem perder a raiz...!
Pois
nas noites largas do encerro,
Sem
entender o destino de ter uma alma humana
Num
corpo amaldiçoado só por ter mais pigmento,
Mirava
com os olhos tristes o claro lume das velas,
E
vendo escorrer por elas o sebo se derramando
Numa
branca lágrima de dor,
Uma
canção na lembrança
-
Como um feitiço ou encanto -
Teimava
em calar-lhe o pranto,
Feito
quem olha no campo
Mil
calêndulas em flor...
Assim
resistiram teus orixás,
-
Ainda que por trás dos santos! -
Teus
batuques, teus quebrantos
Tuas
ancestrais benzeduras...
Teus
tambores ritmando a vida
E
os teus rituais sagrados
Que
jamais foram apagados
Ressoando
na noite escura.
Negro,
sim, com o gosto salgado do suor dos saladeiros,
Com
o gosto doce do açúcar sangrado dos engenhos,
Com
as mandingas e as rezas dos terreiros.
E
seu dotô, não se esqueça
Da
coragem dos guerreiros!
Oxalá
nunca se esqueça!
De
Zumbi, de Ganga-zumba...
Da
epopéia dos Lanceiros...
Traídos
pelos heróis que hoje estão pelos livros
Ou
no altar, nas ruas, nas praças...
Generais,
barões e condes...
Mas
que na realidade não passam
De
uma mentira no bronze.
Quinhentos
anos de dor
A alforria
não apaga...
Essa
é a história!... essa é a saga...!
Que Castro Alves contou
E
que não se esvai na memória...
Essa
é a saga...! essa é a história...!
Que
eu não esqueço aonde for,
Mas não transformo em lamento.
Só
assim vislumbro um tempo
Em
que toda a humanidade
Entenda,
enfim, que a igualdade
É
bem maior do que um credo
E
está além dos países...
E
por ter infindos matizes
Não
se resume a uma cor!!!
Alan Otto Redu/Martim César
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