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terça-feira, 21 de julho de 2015

Um avô chamado Darwin - Martim César




Um avô chamado Darwin

            Naquela manhã de milhões de anos atrás, em pleno coração da África, um distante avô de Charles Darwin comprovou a teoria da evolução das espécies, antes mesmo dela ter sido criada por seu famoso neto. Ao erguer-se sobre as patas traseiras, provocou alguns efeitos não muito fáceis de analisar. A faculdade de poder olhar para a infinidade do céu, que a partir de então o tornaria diferente das demais espécies, daria origem à propensão humana de questionar o universo que o cercava. Havia muitas perguntas para fazer; poucas respostas para dar. Algumas explicações tardariam uma infinidade de gerações; outras, talvez, jamais fossem respondidas. Esse pequeno gesto - que seria repetido doravante sucessivamente a cada amanhecer - engendrou a mutação que o faria dominar o minúsculo grão de areia que habitava, e que viria, posteriormente, a ser chamado de Terra. Ao sustentar-se na vertical, percebeu a estranha ociosidade dos membros dianteiros. As mãos estavam soltas no ar. Quando chegou o meio dia, sol a pino, esse avô utilizou aquela nova condição para fabricar os seus primeiros instrumentos. O seu cérebro, agora provocado, desafiado, obrigado a dar função para as mãos, começou a crescer. Quando a tarde já estava se aproximando do final e a sempre perigosa escuridão se acercava, aprendeu a dominar o fogo. Chegou a noite e depois veio o dia e depois veio outro dia. E outro dia depois do outro dia. Infinitamente. Assim, foi aperfeiçoando seus instrumentos. Uma estranha necessidade de deixar um rastro para o futuro também foi afastando esse ser dos demais. Pintou nas cavernas. Esculpiu na pedra e moldou o barro. Dessa forma inventou a arte. Buscando a necessária sobrevivência da espécie foi preciso ensinar o que aprendera aos seus descendentes e, com isso, engendrou a cultura. Primeiro com os gestos, depois com a palavra e mais adiante com a escrita. Depois nasceu outro dia e, embora fosse igual aos dias que o antecederam, ele - o homem - já não era o mesmo. Carregava consigo a bagagem de conhecimentos adquiridos em sucessivas gerações. E assim o avô chegou ao neto, e os milhões de anos que os separavam não foram mais do que os segundos que se leva ao lermos algumas palavras em uma folha de papel. Vidas humanas cruzando como em uma corrida de revezamento. Os que chegaram antes: ensinando; os que vieram depois: aprendendo. O avô tornou-se o neto e o neto tornou-se o avô. Que é o avô de outro neto. E assim sucessivamente até chegar aqui. Neste exato instante. Que agora já passou.

Martim César

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