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quarta-feira, 23 de abril de 2014

Todavía cantamos, todavía esperamos.... Víctor Heredia



O velho e seus canários

Existem muitas formas de gritar
Mesmo quando se parece estar calado
Ainda que os jornais sigam mentindo
E não importe a vida de quem vive ao lado

Um dia roubaram daquele velho
De todos os seus relógios os horários
Levaram todos os sóis conhecidos, salvo
O dormido no amarelo de seus canários.

Ninguém sabe quanto lhe dói a dúvida
O peso dessa cruz que ainda suporta
De sempre perguntar pelo de sempre
Batendo sempre nessas mesmas portas

Noite à noite voltava a ler os jornais
Cumprindo, com paciência, seu itinerário
Escolhendo as fotos de velhos generais
Para forrar a gaiola de seus canários

Se cada um aparece ao mundo quando nasce
E no dia em que morre então desaparece
O que, enfim, parece ser um desaparecido
Nome sem corpo, tumba que só tem a prece?

Quanto mais se presume que chegou o fim
Mais seu renascimento costuma ser diário
Pois o contrário da morte não é a vida
E sim essa dúvida da morte ao contrário

Tinha corpo o filho que um dia viu nascer
E que - sem adeus - sumiu do seu olhar
Ninguém nunca se parece a um desaparecido
Alguém que não se foi, mas nunca mais irá voltar.



Mauricio Raupp/Martim César

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Vida minha vem comigo, hoje sou eu que convido a dançarmos esta valsa. Par de doidos



Para o tempo de nós dois

Vim de longe... de outras terras!
E andei muito pra chegar
Tendo a viola por abrigo
Contra o gume dos perigos
Contra os desmandos do mar

Mas depois que vi teus olhos
Pousando em cima dos meus
Perdi a pose e o tino
Troquei de ponta o destino
E encomendei-me pra Deus

Canção de menina moça... me ouça!
Que eu preciso lhe contar
Dessa cantiga que eu fiz
Pra quem só fez mais feliz
Os rumos do meu olhar

Canção de menina moça... me ouça!
Um instante sim, por favor!
Pra dizer nesta cantiga
Que serei por toda a vida
Tão somente o teu cantor!

Vim de longe... e já faz tempo!
Trazendo flores e espinhos
Descobrindo pela estrada
Que é bem mais longa a jornada
Pra quem caminha sozinho.

Por isso... de vez em quando
Quando lembro o que se foi
Agradeço a este mundo
Por viver cada segundo
Deste tempo de nós dois.


Martim César

sexta-feira, 28 de março de 2014

Hoje é sempre... amanhã é nunca mais!



Pandora é simultaneamente a introdutora dos males mas também da
força, da dignidade e da beleza, e a partir da abertura da sua
caixa o ser humano não pode melhorar a sua condição sem
enfrentar adversidades.
A história conta que após Pandora receber o jarro, ela recebeu uma ordem de Zeus dizendo para jamais abri-la. Dia pós dia, Pandora ficava cada vez mais curiosa, e um certo dia, decidiu que iria abri-la para ver o que havia dentro. Quando a abriu todos os males foram libertados, exceto um, que ali dentro permaneceu: a esperança.


Pandora

Uma silhueta de mulher, bela e fugaz
Que a pupila abrange, dilata e acostuma
Tão clara no olhar, etérea como a bruma
Que só existe sem tocar e ao tocar-se se desfaz

Uma silhueta de mulher, tão leve como a pluma
Que de todos os desejos, me desperta o mais voraz
Inflamando os meus sentidos, tão serena como audaz
E que depois por livre, se desmancha como a espuma

Uma mulher igual a todas, qual se todas fossem uma 

Com sua caixa de Pandora frente a todos os mortais 

Aromada nas manhãs (que à luz da aurora se perfuma)



Uma mulher à flor da pele, com seus gestos sensuais

Uma mulher igual a todas - todas elas e nenhuma -

Me provando que hoje é sempre e amanhã
é nunca mais!


Martim César

segunda-feira, 24 de março de 2014

Lá em riba estão as estrelas... cá embaixo... o cantar dos galos! Aureliano de Figueiredo Pinto




Olhos do Pampa

Nas noites claras do Pampa, bem acima dos galpões
Há olhos que nos vigiam e são mais que apenas clarões
São, talvez, visões de um tempo vindo de outras gerações
Dos que escreveram a história que hoje eu trago comigo
Responso, sangue e memória - razões dos rumos que eu sigo.

Pois somos o elo da corrente que chega desde o passado
Guardiões de velhas taperas, cuidando o solo sagrado
Nas veias trazendo a seiva e o gosto do mate amargo
Um rio antigo que nos une já desde a ronda primeira
Quando não havia alambrados, nem países, nem fronteiras.

Por isso ao cair da noite... bombeando a luz das estrelas
Me pego cismando, às vezes, que todo gaúcho ao vê-las
Enxerga o lume de um tempo que se timbrou no seu peito
Outras eras... outra idade que moldou pra sempre seu jeito
Pois foi ao redor dos fogões que nasceu a nossa identidade!

Cada fogueira do Pampa com sua misteriosa claridade
Alumiou a tez desses homens que há muito já não estão
Mas que forjaram essa pátria que trago em cada canção
Lugar onde sei que um dia também teria minha campa
Sob o clarão das estrelas... os sagrados olhos do Pampa!




Martim César

terça-feira, 18 de março de 2014

Ora direis ouvir estrelas.. certo! Perdeste o senso... Olavo Bilac




No rumo das boleadeiras

Foi quando a pedra da lua lançou-se da boleadeira
Primeiro partiu-se em duas, depois em três... virou poeira
Cá em baixo os olhos dos índios viram surgir as estrelas
Depois chegaram os brancos e ninguém mais 
                                                                         pode vê-las

Mescla de sangues e raças, tempos que o tempo                                                                                             esqueceu
Degolas, flechas e adagas.../ mundo esquecido por Deus

Foi quando o claro dos rios tingiu-se em rubro sol-pôr
Mormaço, noites de frio... o sangue a mostrar sua cor
O sal, o suor e o charque, brotando das mãos escravas
A dor parindo o amanhã de um sol que nunca chegava

O cantochão das senzalas,/ o mal que não tem 
                                                                           nem nome
A cor escura ou a clara/ ditando a sina dos homens...

Foi quando dessas três pedras nasceu um caminho novo
Brotou do ventre da terra e se fez semente de um povo
A lança então foi fuzil... que se fez arado e canção...
E que hoje eu trago no sangue jorrando na imensidão.

O rumo que – enfim - nascia/ das pedras no céu azul
É o laço das Três Marias/ rondando as noites do Sul.




       Martim César Gonçalves

sexta-feira, 14 de março de 2014

Caminhos de Si no La Mancha - Hoje - 14/ março - 21 horas

No dia do Temporal de Santa Rosa foi em Concórdia. Hoje é aqui. No La Mancha, em Jaguarão.



quinta-feira, 13 de março de 2014

Toda a arquitetura magnífica destas cidades sulinas foi criada pela arte branca, pelo suor e sangue negro, sobre território índio. Mestiços somos. Martim César



A mão que ergueu as cidades
(Martim César/Diego Müller)


Há um rio de sangue antigo que escorre por entre as mãos:
Uma outra vida sagrada – que como veio se foi!...
Porém na alma do escravo jamais se vê a ferida
Jorrando sonho em segredo – na sina igual a do boi!

Machuca a faina dos dias, mas ainda a noite dói mais...
A mãe-áfrica distante hoje é um lugar muito além!...
Quase não pode seguir, mas não lhe cabe esperar ...
Esse amanhã que virá, que sempre tarda e não vem!

A mão que ergueu as cidades – quem saberia o seu nome?
O sangue que uniu tijolos, alguém reparou sua cor?...
Nos casarios opulentos habitariam outros homens,
Ou todos seriam iguais... ante a alegria e a dor?!

Há um rio de dor muito antiga circulando entre as artérias:
Que o tempo esqueceu a alcunha e quis trocar, por herança...
Dos canaviais e senzalas, das capoeiras... quizombas...
Parindo as festas profanas... ninando a paz das crianças!

Mangueirões, cercas de pedra... mil taipas nos corredores!...
Telhas moldadas nas coxas... pro altar das ostentações!...
De dia o sangue brotando se transformando em cultura...
Nas noites tão só a esperança... no batucar das canções!

A mão que ergueu as cidades – quem saberia o seu dono?
Os dedos modelando a terra, criando ali nossa história!...
Sementeiras destas ruas que sustentaram as cidades...


Alguém lembrará os seus nomes na hora de cantar glória?!

segunda-feira, 10 de março de 2014

Ando devagar por que já tive pressa... Renato Teixeira/Almir Sater



Sob uma cruz de madeira


Há uma cruz junto à estrada
Feito um triste monumento
A mostrar que a vida é um nada
Não mais que um sopro no vento

A quem pertence... o que importa?
É uma a mais de outras tantas
Esperança e madeira já mortas
Num pássaro que já não canta

Partiu-se ao meio um destino
...errou o sentido da seta!
Foi mais um que - em desatino -
Fez de uma curva uma reta

Fica um vazio tão imenso
Que nenhum poeta descreve
Resta um olhar de silêncio...
Que a terra lhe seja leve!

Há uma cruz junto à estrada
Rodeada de algumas flores
É a morte, enfim, enfeitada
Pois também tem suas cores...

E assim se vai tanta gente
Vidas perdidas na poeira
Sonhos desfeitos... pra sempre!
Sob uma cruz de madeira!



Martim César

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Mas quanto vale a poesia?



Náufragos urbanos

Nós somos náufragos urbanos
Somos a parte dessa arte
Que ficou fora dos planos
Nós na verdade sempre estamos
Fora das leis de mercado
Longe dos padrões mundanos

Mas quanto vale a poesia?
E, afinal, quem pagaria
Por uma canção urgente...
Que seja como a juventude
Quando surge a inquietude
De um caminho diferente?

Nós somos náufragos urbanos
Somos o avesso, o pé esquerdo
O desespero dos tiranos
Nós na verdade sempre estamos
A nadar contra a corrente
E nem à força nos calamos

Mas quanto vale a poesia?...

Nós somos, sim, o passo errado
O descompasso, a imprecisão
A perdição dos bem criados
Mas mesmo assim, o engraçado
É que pensamos que ser livre
Não nos parece ser pecado




Martim César

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O tempo que corre fora, não é o que corre por dentro. Caminhos de Si



O meu relógio às avessas (Diego Müller/Martim César)


Fiz um relógio às avessas
Pra o tempo voltar, por si...
Como a buscar, tendo pressa
Os dias que eu já vivi...
Girando pelo anti-horário,
Contar dois depois do três...
Ir atrás... no calendário
Rever meu mundo outra vez!


Sendo igual a engrenagem
Os mesmos são os ponteiros!
Mas nessa estranha viagem
O fim começa primeiro
Tudo igual... mas diferente
Porque é inverso o sentido
Cada passo dado em frente
É menos um dia vivido!


Fiz um relógio às avessas
Pra regressar a esse mundo
Até onde tudo começa
Desde o primeiro segundo
Mas descobri, na jornada
Indo ao revés no caminho
Que quanto mais eu andava
Mais eu ficava sozinho.


O tempo só anda em frente
- É a regra mais que sabida! -
Vamos todos na corrente
De um rio que se chama vida
Mas se chegasse essa hora
De andar no tempo às avessas
Será que a nossa escolha
Seria – de fato – essa???


Melhor seguir esse rumo
Igual aos nossos iguais
Sempre adiante, todos juntos
Os filhos depois dos pais
Por algo somos humanos
E à humanidade seguimos...
Vida a fora, ano a ano
Cumprindo o nosso destino!



quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Há coisas que têm valor, outras que só têm preço. Martim César



Náufragos urbanos

Nós somos náufragos urbanos
Somos a parte dessa arte
Que ficou fora dos planos
Nós na verdade sempre estamos
Fora das leis de mercado
Longe dos padrões mundanos

Mas quanto vale a poesia?
E, afinal, quem pagaria
Por uma canção urgente...
Que seja como a juventude
Quando surge a inquietude
De um caminho diferente?

Nós somos náufragos urbanos
Somos o avesso, o pé esquerdo
O desespero dos tiranos
Nós na verdade sempre estamos
A nadar contra a corrente
E nem à força nos calamos

Nós somos, sim, o passo errado
O descompasso, a imprecisão
A perdição dos bem criados
Mas mesmo assim, o engraçado
É que pensamos que ser livre
Não nos parece ser pecado

Mas quanto vale a poesia?
E, afinal, quem pagaria
Por uma canção urgente...
Que seja como a juventude
Quando surge a inquietude
De um caminho diferente?




Martim César