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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Enterrem meu coração na curva do rio. Dee Brown

Capa do livro: Poemas Ameríndios - escultor: Cléber Carvalho



III - Ruínas de São Miguel

Ruínas, pedra, silêncio
Nas ruas de São Miguel
E esse vazio imenso
Do que já foi, mas não é

Que outra culpa haveria
Além da clara verdade
Que a humanidade podia
Viver, enfim, na igualdade?

Aqui meu canto sem terra
Pra terra voltando vai
Num grito que ainda espera
Por ver os homens iguais

Onde estão teus Karaís?
Teus Tuxavas onde estão?
Trinta povos Guaranis
E é tão só uma a extinção

Algum sino imaginário
Num futuro alvorecer
Dobrará nos campanários
Por quem morreu por viver


............................................

Karaís – Profetas guaranis aceitos pelas aldeias que se enfrentavam
entre si na permanente busca da Terra sem males.
Tuxavas – Caciques guaranis.









quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Dale tu mano al indio, dale que te hará bien... y encontrarás el camino, como ayer yo lo encontré. Daniel Viglietti






II - Terra Sepé Guarani

No princípio, a resistência
Depois a fé e a cruz
Pois é Tupã, na essência
O Deus que a todos conduz

Em meio a sete cidades
Nasceu um facho de luz
E um nome que a liberdade
Chamou Sepé Tiarajú

Que sabias de Tratados
De Lisboa ou de Madrid?
Sabias do amor sagrado
Ao teu chão guarani

Da tranqueira do Rio Pardo
À estância do Yapejú
Ouviu-se o teu livre brado
José Sepé Tiarajú

Teu canto... um grito de guerra
Que ainda clama por paz
No sonho da própria terra
De ver os homens iguais

Alçou-se toda a campanha
Com teus Tapes Missioneiros
Os mesmos que à madre Espanha
Serviram como guerreiros

Contra o arcabuz e o canhão
Não pôde o valor e a fé
Mas não morreram em vão
Os mártires de Caiboaté

Onde houver povo sem chão
Sem liberdade, onde houver
Com eles sempre estarão
Mil e quinhentos Sepés

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Mas será que esta América não é mesmo Índia....









Por ocasião dos 250 anos da morte de Sepé (Em uma homenagem em forma de trilogia que fizemos para uma apresentação em São Gabriel, no local onde caiu o índio Tape Missioneiro).



I – Um sino acorda as Missões

Era o Uruguay, o rio-mar
A pampa, o sol... era a lua
Era o conviver milenar
Minuanos, Tapes, Charruas

Teu mundo era a liberdade
A natureza... a inocência
Depois chegaram os padres
Com suas preces e crenças

Nasceram trinta cidades
Sob os desígnios da cruz
Tupãbaé e a igualdade
Mais de um século de luz

Vem, hermano, ouve comigo
Este sino imaginário
Dessa manhã que por ‘siglos’
Acordou nos campanários

Mas não te esqueças... jamais!
Embora vá longe o tempo
Podemos, sim, ser iguais
Nos guaranis, o exemplo!

Ainda viva na memória
A infâmia das bandeiras
Ensangüentando na história
A tua terra missioneira

Mas expulsaste o invasor
Caazapa-Guazú, Bororé
Neenguirú, corregedor
De estirpe igual a Sepé

Nasceram trinta cidades
Sob os desígnios da cruz
Tupãbaé e a igualdade
Mais de um século de luz


.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O poeta é um fingidor. Finge tanto, e tão completamente, que finge que é trabalho, a poesia que faz durante o expediente. Jorge Missaggia






Disfarce

Morre a poesia...
Como haveria de sobreviver?
Em meio a carimbos e notas de expediente,
Calculadoras e prendedores de papel.
Envolta em artigos cotidianos,
Hierárquicas convenções.

Morre a poesia...
Como haveria de sobreviver?
Consumida por horários e legislações,
Normas e registros burocráticos.
Asfixiada por ruídos de impressão,
Estalos de máquinas copiadoras.

Morre a poesia...
Em uma folha amassada
Suicidada na lixeira do escritório.

Mas a poesia...
- a dissimulada e eterna poesia –
De uma gaveta entreaberta,
Desde um livro do Quintana,
Pisca o olho e me sorri.
Depois pede que guarde seu segredo,
E faz que morre novamente.

Martim César

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A tentação mais perigosa: não se parecer com nada. Albert Camus



De uma antiga rebeldia

Parado aqui
Olhando a estrada passar por mim
Eu não entendo porque a vida mudou assim
Aquele olhar de rebeldia, que tive um dia, já não é meu
Talvez meu filho resgate o brilho que se perdeu


Que valem agora as velhas poesias
Que amarelam escondidas nas gavetas do meu quarto
E aquele sorriso, quase triste, que ainda insiste
na moldura do retrato?

Parado aqui
Olhando a estrada passar por mim...

Que valem agora tantos planos
Tantos enganos cometidos sobre o bronze
Que ninguém mais pode mudar?
Que valem agora meus milhares de motivos
Já esquecidos sob a poeira destes anos?
Se na verdade eu me perdi...
Eu descobri que na vida jamais se pode parar.

Parado aqui
Olhando a estrada passar por mim
Eu não entendo porque a vida mudou assim
Aquele olhar de rebeldia, que tive um dia, já não é meu
Talvez meu filho resgate o brilho que se perdeu

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

!Los gustos hay que hacerselos en vida!

(A Chiche y Sabalero, dos boemios uruguayos, tangos y candombes van con ustedes, recuerdos y nostalgias quedan con nosotros)

Pequenos apontes sobre a saudade

Frágil teia que se rompe sem se ver
Sem que ninguém saiba a hora e o lugar
De repente chega o anoitecer
E a manhã de sol que já não mais virá

Restam fotos de saudade nas paredes
E na rede só o vento a se embalar
Restam ruas sem o ressoar dos passos
E os abraços que não pode mais se dar

Uma voz que se erguia em rebeldia
Se rendeu às armadilhas do silêncio
Um sorriso em que cabia toda a paz
Não é mais que lembrança de momento
Um olhar que incendiava o sol
É farol que se apagou em nosso tempo

Que fronteira que se cruza num segundo
E nos deixa sempre o mundo mais vazio
Que universo que o verso não alcança
Que distância que só vence quem partiu!

Há um rastro dessa ausência nas canções
E mil razões que não têm como explicar
Há um nome que a saudade sempre lembra
E um poema que ainda espera o seu final!


Martim César

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Que el tamboril se olvida y la miseria no! El Sabalero

La Casa Encantada fue incluida como material de estudio en las escuelas primarias de Uruguay. "Y para mí eso es como tocar el cielo con las manos, ese es el reconocimiento de un artista popular, estar en los programas escolares", confesará sin ocultar la emoción.
José se fue al exílio, como tantos latinoamericanos en el tiempo que la persecución política y las desapariciones eran el pasto en la tierra del terror. De su paso por Holanda asegura que "uno nace un poco de nuevo cuando está en un lugar en el que no sabe hablar". En el extranjero hizo de albañil, volantero, cosedor de cueros y cantaba en actos solidarios con los presos. "En el exilio perdés las seguridades de lo que tenías a tu lado", dice a lo que agrega "pero ganás en conocer otros lugares y en tus posibilidades de saltar paredones".
"Nosotros fuimos parte de un movimiento sin darnos cuenta", explica El Sabalero, el movimiento popular en el que se inscribieron tantos cantores "no son inventos", señala a lo que recuerda que "empezábamos a cantar en lenguaje de entre casa, éramos muchachos con una fuerte pertenencia a la clase obrera. Uruguay tuvo un movimiento sindical muy fuerte y sano. Y tuvimos la suerte de nacer en ese medio y la sociedad uruguaya se movía en derredor de ese movimiento sindical. El pantalón cortito de Chiquillada es de clase", concluye categórico.

En una sociedad económicamente ahogada, culturalmente vaciada y políticamente colonizada, El Sabalero asume el mundo en que sobreviven sus personajes, que es uno de los más concretos y poéticos. Fácil es situarlo geográficamente, Villa Pancha puede estar acá cerquita. Cargados de particularidades sus personajes y sus barrios son universales. Carbajal es un gran narrador que, ajeno a la maquinaria de la moda rastrea las sombras de la memoria y retrata las raices de su pueblo, ahí reside la magia y la vigencia de su arte.

Nueva Radio

Pantalón cortito, bolsita de los recuerdos...pantalón cortito con un solo tirador. El Sabalero


Não há palavras para expressar a alma grande desse poeta de 'cosas chiquitas'. O Uruguay e nós, os da resistência silenciosa e boêmia, perdemos uma parte insubstituível de poesia e sabedoria mundana. Ninguém retratou melhor a Montevideo carnavalera e o Uruguay dos Pueblitos, essas pequenas cidades de uma rua só, que parecem estar sempre na hora da 'siesta'. Ninguém contou melhor sobre os 'gurizes' dos arrabaldes. Ninguém, em melodias simples e belas, registrou tão magistralmente os pequenos - mas tão imensos - momentos das cidadezinhas esquecidas desta parte do mundo.
Quando retomamos o Canto do Jaguar, um festival que havia sido realizado nos anos 90 e já estava tomando ares de lenda, pensamos em um ícone da música del paisito hermano. Pensamos no autor de 'Chiquillada, Borracho pero con flores, A mi gente, la sencillita, pa'l abrojal e tantas outras canções' para fazer o encerramento da noite de sábado. Era um antigo sonho. Difícil de realizar, já que o Sabalero estava, na maior parte do tempo, na Holanda, onde tinha família. Mas tivemos sorte e ele se mostrou entusiasmado com o convite. Tanto foi que veio um mês antes para conhecer o lugar onde seria a apresentação e nos disse que era a primeira vez que atuaria no Brasil. E assim foi. Inesquecível. Desfilou seus candombes e sua poesia cantada em duas horas de sintonia com público. Caminhou entre as pessoas, em pleno Largo das Bandeiras. Essa imagem ficará gravada para sempre na minha memória. Depois da apresentação, após atender a todos os que quiseram tirar fotografias com ele, seguiu conosco para jantar. E a primeira frase que disse para o pessoal do seu grupo, ao vê-los reunidos em uma mesa, foi: 'Eh! Muchachos... mezclensé con la gente... la música sirve para eso... para la integración de hermanos'.
Salve, Sabalero.... tu casa encantada estará para siempre en la memória de tu pueblo y de cada gurí arrabalero.
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Borracho, pero con flores vuelvo
borracho, pero de sueños ando
entran a sonar las lonjas
y me salen del profundo
batuquear carnavalero
todas las tardes del mundo.
Que sera Montevideo
tan querido y tan lejano
que sera de sus comparsas
y toditos mis hermanos.
Que sera Montevideo
tan lejano y tan querido
de esta barra volvedora
sos la fija de camino.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Os navios estão a salvo nos portos, mas não foi para ficar ancorados que eles foram criados. (Anônimo).

Puro sentimento

Como o sol que precisa do olhar
E o olhar que precisa do amor
É o amor quem nos leva a cantar
Mergulhar nesse rio, como for

Esse frio de emoção que há em nós
Quando se abre a cortina da vida
Dá sentido aos caminhos da voz
Faz brilhar nossa luz mais sentida

Leve chama que inflama o universo
No mistério do que ainda virá...
Qualquer vida é maior do que um verso
Mas quem pode viver sem sonhar?

O menino olha as águas do rio
E a vontade, afinal, vence o medo
Tão pequeno parece o seu desafio
E, no entanto, esse é o grande segredo.

Martim César

terça-feira, 19 de outubro de 2010

E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti. F. Nietzsche





Ponto de inflexão

Ali estava eu, em plena curva descendente
No rumo sul (eu que jamais tivera um norte)
Já sabendo, meu amor, qual a minha sorte
Pois ninguém cai e segue, assim, eternamente

Chegaria o final, em algum solo, de repente
Ainda que isso – nessas horas – pouco importe
(O que mata, na verdade, é a caída, não a morte
E o que nos trai não é o abismo e sim a mente!)

Ali estava eu, quase chegando, assim, ao chão
Sendo mais um, na hora comum de uma partida
Sem levar malas (que não permite essa estação)

Quando uma voz pediu: ‘adia a tua despedida
Que eu tenho em mim teu ponto, enfim, de inflexão...’
Deu-me asas e cá estou eu (valha-me Deus!)
............................................................noutra subida!!!

Martim César

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Haja hoje para tanto ontem! Paulo Leminsky

Arma nuclear

Pasmem!
Ontem morreu no Japão
O único ser humano
Que sobreviveu a duas bombas atômicas.

Morreu de velhice!

Isto quer dizer que o tempo,
Essa grandeza invisível...
quase imperceptível
de tão sutil,
É infinitamente mais potente
(mais letal!)
do que a mais potente
das mais potentes
armas nucleares
........................................inventada pelo homem!

Martim César

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Os bares mudam... mas os boêmios são sempre os mesmos.

Entre charlas e poemas

Eu faço minha poesia
Feito quem busca pros dias
Estrelas da noite imensa
Assim encontro sentido
A este ser dividido
Entre o que é e o que pensa

Escrevo em qualquer papel
As frases desse mundéu
Onde enredei meu viver
Assim as horas mais vãs
São como o sol das manhãs
Que tudo invade ao nascer

De mim, restará o que digo
Numa canção ou num livro
Nalguma história de amor...
Mas não me creiam deveras
Minha verdade mais séria
É o meu olhar sonhador

O universo que eu toco
Em meio a charlas e copos
Nas minhas noites insones
É essa luz que me ensina
Que a chama que me ilumina
Também me queima e consome

Andar... eu ando e andando
Eu vejo o mundo rodando
E nele eu sigo, à deriva
Cumprindo o eterno dilema:
Saber que o maior poema
É sempre menor que a vida!

Martim César