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terça-feira, 19 de abril de 2011

Versos... não! Poesia... não! Só um modo diferente de contar velhas histórias. Cora Coralina

Um intruso no porão


Abro a porta... a escuridão se esconde desconfiada
Não me reconhece ou acaso só recorde vagamente
Sou um intruso, depois de tanto tempo ausente
E, contudo, sou o mesmo, embora a face tão mudada


Então desço as escadas do passado lentamente
(Parte da minha vida se desperta assombrada)
Pareço algum fantasma que retorna à sua morada
Depois de andar por longa noite em meio à gente


Pareço algum fantasma e acaso sou, mas estou vivo!
Embora em mim haja um sem fim de coisas mortas
Que pesam tanto e das quais nem lembro seus motivos...


Estou vivo ou estou morto? Afinal, o que importa?
Sou personagem de uma história que eu li num velho livro
Melhor deixar assim... subir os meus degraus,
................................................................................fechar a porta!










Martim César

segunda-feira, 18 de abril de 2011

O que nos espera, amada minha, além da curva dessa noite de tormenta que é a vida?



Ponto de inflexão





Ali estava eu, em plena curva descendente
No rumo sul (eu que jamais tivera um norte)
Já sabendo, meu amor, qual a minha sorte
Pois ninguém cai e segue, assim, eternamente


Chegaria o final, em algum solo, de repente
Ainda que isso – nessas horas – pouco importe
(O que mata, na verdade, é a caída, não a morte!
E o que nos trai não é o abismo e sim a mente.)


Ali estava eu, quase chegando, assim, ao chão
Sendo mais um, na hora comum de uma partida
Sem levar malas (que não permite essa estação)

Quando uma voz pediu: adia a tua despedida
Que tenho em mim teu ponto, enfim, de inflexão...
Deu-me asas (vejam só!) e cá estou
..........................................................noutra subida!!!






Martim César





sexta-feira, 15 de abril de 2011

O tempo é a substância de que sou feito. Jorge Luis Borges

Soprando as brasas da ausência

Talvez, saudade, eu te encontre
No fim de todos meus dias
Rondando a casa vazia
Com os meus fantasmas de ontem
Na imensidão dessas noites
De solidão e invernia
Onde meus olhos já gastos
Não mais avistem os rastros
De uma distante alegria...

Palavra... que ando cansado
Desse descaso da vida
De em vão buscar a saída
Sem nunca achar o seu lado
Canto sozinho, me calo
Pealo cismas compridas
Alargo o amargo das horas
E ando apertando as esporas
Pra ver sangrar as feridas...

Toda milonga é saudade
Que invade a alma da gente
Sorvendo a dor que se sente
Na água quente dos mates
Toda milonga é saudade
Que diz - no inverno das casas
Lembrando um amor ausente -
Pra o minuano: que entre...
Nos venha soprar as brasas!

Porém, milonga, tu sabes
Cada razão dos meus medos
E vais cansando os meus dedos
Até que as mágoas se acabem
Só em teus acordes é que cabe
A angústia dos meus segredos
Dilema – em chamas – que arde
A vida que diz que é tarde
E o coração que ainda é cedo!!!

Martim César

quinta-feira, 14 de abril de 2011

O tempo é um fio bastante frágil... um fio fino que à toa escapa. Henriqueta Lisboa.



A insistência da sombra



De manhã uma sobra comprida
Aponta ao poente incerto
Do lado de cá está a vida
A infância de olhos abertos


Sobe o sol... é o seu destino
-E já ilumina toda a cena -
Embaixo cresce o menino...
Mas sua sombra se apequena!


Quando chega o meio dia
A sombra desaparece
E a vida é toda energia
O sol dos sóis nos aquece


Nesse momento tão louco
Vivemos sempre apurados
Nem percebemos que aos poucos
A sombra mudou de lado


Enquanto o sol ainda arde
Em sua quase plenitude
Cresce a sombra pela tarde
E já é tarde... pra juventude!


No ocaso a sombra é comprida
E agora já é certo o poente
Atrás ficou toda a vida
Mas o que haverá pela frente?

O que esperará do outro lado?
Nunca há quem nos responda
E já parte o sol... derrotado!
Pela insistência da sombra!

quarta-feira, 13 de abril de 2011

...Que el tamboril se olvida y la miseria no! Sabalero





La sonrisa y el disfraz
(Candombe)

 Míralo
Es mi corazón que va
Cruzando la ciudad
En carnaval


Déjalo
Que sueñe su canción
Porque hoy toda ilusión
Es realidad

Míralo
Tocando su tambor
Botija bajo el sol
En carnaval


Déjalo
¿Qué importa hoy si su brillo
Mañana en el conventillo
Se apagará ?


Suena que suena
Que sonará
No hay tristeza en la belleza
De un antifaz


Suena que suena
Que sonará
Dale a la vida una sonrisa
Como un disfraz


Suena que suena
Que sonará
Sangre en el viento
Sabes que el tiempo
No volverá






Martim César

terça-feira, 12 de abril de 2011

Mas nesse mundo tão louco, talvez eu que faço pouco de quem faz pouco de mim, vivo melhor do meu jeito, tendo tão só o direito do rumo que eu escolher.



Da morte venho nascendo




Da morte venho nascendo

Cruzando a estrada do avesso

Feito quem vivesse o tempo

Desde o fim até o começo



E nessa estranha jornada

Caio do solo até o céu

A cabeça sob o sapato

Os pés calçando o chapéu



E se me chamam de louco

Por pensar viver assim

Eu sorrio e faço pouco

De quem faz pouco de mim



Da morte venho nascendo

Nadando contra a corrente

Como se pudesse o rio

Vir da foz até a nascente



Se ontem será meu futuro

Meu amanhã já passou

Então serei quem eu fui

Sabendo já quem eu sou



Velho, menino, ninguém

História escrita e apagada

Dentro do ventre e além

Tudo voltando a ser nada



Martim César

segunda-feira, 11 de abril de 2011

A vida de uma pessoa não é o que lhe aconteceu, mas o que ela recorda e como o recorda. Gabriel Garcia Márquez.

 



A chave






Disse um amigo


Em noite de filosofia borgiana


Entre copos repletos de ausência:


“Temos a chave, mas onde estará a porta?”






Pensei em algo inquietante:


E se a chave abrisse a porta de uma casa


Em uma cidade qualquer?






Que misterioso mundo haveria


Do outro lado?


Que vida não vivida


Eu deixei nesse lugar?






De repente eu estava caminhando


Em direção a esse destino incerto.






Vislumbrei a rua, a quadra, a casa...


A desafiante porta. A fechadura.






O garçom me perguntou algo.


Não entendi. Mais uma?






Ah! Sim...


Olhei para as minhas mãos vazias.


Diacho!


Havia jogado a chave fora.






Martim César

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Meu livro do lado da cama é como um revólver. Jaques Rigaut


Avis rara



Um bicho raro é o poeta... um fóssil vivo
Um dinossauro a ser extinto no futuro
Cuja ossada será exposta e – redivivo –
Dirão ter sido um farol frente ao escuro


Mas no presente?... é só um morto-vivo
Tido por doido, sempre aéreo e obscuro
Quando se mostra libertário é um nocivo
Quando faz versos por amor é um imaturo

Feito cigarra que não planta, nem produz
É um grande inútil o poeta... um infeliz
Que se crê (valha-me Deus!) um ser de luz


Vive de sonhos... a voar... sem ter raiz...
Melhor faria preso às varas de uma cruz
Pois nada acrescenta à balança do país!



Martim César

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Um erro em bronze... é um erro eterno. Mario Quintana


A navalha do censor



Em princípio parecia ser somente um acento inofensivo
Um mero traço no papel, meio inclinado e um tanto fino
Quiçá uma mesura ofertada a algum vocábulo feminino
Ou uma lágrima escorrendo sobre um amor substantivo


Porém era grave o tal acento, e bem mais grave seu motivo
(e esse ser ‘grave’ me dá medo desde os tempos de menino)
Se fosse agudo feito um dente, cortando a carne, incisivo
Não seria tão daninho, nem tão crucial ao meu destino


Mas um acento assim inverso, em uma avessa trajetória
(Tal qual navalha de censor, que sem pudor, a tudo arrase)
Chegou assim ceifando tudo e mudou o rumo desta história


Fazendo naufragar o meu poema - vejam só - que triste fase!
E era um poema que eu sonhei ver florescer cheio de glória
E que sucumbiu a ver navios (pobre de mim!)... maldita crase!


Martim César

terça-feira, 5 de abril de 2011

Tudo é presente, você compreende? O ontem não acabará jamais e o amanhã começou há mil anos. William Faulkner



Uma espada na parede



Uma espada dorme há muito na parede
Vida latente que se esconde no aço frio
E que por vezes se desperta tendo sede
E sonha o sangue escorrendo por seu fio.


Quem luta agora? Qual é o novo desafio?
Perguntas vãs! Afinal, pouco lhe importa
Se o que vale é o que brota, feito um rio,
No claro gume que a carne fere e corta.

 
É noite alta. A casa sonha e – adormecida -
Não vê o vulto de alguém que, suavemente,
Agarra a espada e outra vez lhe traz à vida.


A casa sonha, e quando acorda de repente
Estranha algo e, enfim, descobre estarrecida
Que está em guerra... tal e qual antigamente.







Martim César







segunda-feira, 4 de abril de 2011

Y en la calle, codo a codo... somos mucho más que dos. Mario Benedetti



Dois na tarde






Agora, amada minha, viajarás ao meu lado.

Vem! Anda comigo e admira essas paisagens!

Quantos homens e mulheres já cruzaram esses montes,

Esses campos; esses rios, que feito veias, irrigam as lonjuras,

Esses caminhos, que feito rugas, demarcam as distâncias.

Quantas vidas tão iguais às nossas vidas...

Quantos sonhos tão iguais aos nossos sonhos.



Vem! Amada minha...

Que breves somos nós, mas eterno é este instante!

Nós que somos apenas um homem e uma mulher...

Tão somente isso!

Mas também somos todos os homens e todas as mulheres.

Todos. Absolutamente todos.



Vem! Caminhemos nossos olhos bebendo o verde natural.

Vem! Mergulhemos nossas almas em cada lago do caminho.

Aspira esse aroma que emana das folhagens.

Acaricia essa água que escorre sobre os nossos corpos.



Séculos e mais séculos sobre séculos nos trouxeram até aqui.

Vidas e mais vidas gerando novas vidas nos trouxeram até aqui.

Caminhemos, então. Já vês que, agora, já de nada vale o tempo.

Põe teu braço no meu braço. Assim... amada minha.

Caminhemos!



Vês, agora, que só existe cada pedra e cada folha,

Cada gota e cada grão, cada pétala de flor,

Cada inseto, cada ave, cada átomo do universo,

Porque existimos nós?


Compreendes que em ti e em mim tudo se resume?

Que somente transcorreu cada segundo,

desde o primeiro instante do primeiro ser,

Porque existimos nós?


Vem! Olha em meus olhos... nós somos a própria criação!

Nada há nada mais perfeito, nada mais lógico, mais divino

Que estarmos - tu e eu - justificando a própria vida.

Toda a ciência está em nós, todas as religiões,

Todas as raças, todos os sentimentos, todos os caminhos.



Percebes, amada minha? Percebes?

Que nesse abraço de dois seres, nesses corpos tão unidos,

Que nesses dois, assim, tão precisamente juntos,

Tudo o que já existiu, tudo o que existe

e tudo o que ainda existirá,

Encontra, finalmente, o seu claro,

transparente,

óbvio

sentido?



Martim César

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Minha homenagem aos abnegados navegadores da confraria.Aos Lusíadas que se atrevem a singrar o mar ignoto.Que passem além do Bojador...



Ode à confraria


Como lhe quadra a um poeta que vasculha o cotidiano
Um confrade deve estar ao seu entorno sempre atento
Fazer de qualquer brisa, vendaval; de uma gota o oceano
(Saber caçar um seguidor também requer algum talento!)

Nenhum assunto está a salvo, nem o poema mais insano
Sujeito ao crivo dos mortais há de postar-se o seu intento
Ou sairá airoso desse embate ou será só um mero engano
Eis a sua hora da verdade! Eis o seu grande julgamento!

Por confraria tem seu nome e este, por certo, está bem posto!
Cabeça acima da manada, mesmo que a foice cobre o preço
Pois uma idéia vale a vida e nenhum sonho está debalde...


Que tudo afinal é permitido; exceto, é claro, o que é imposto
A liberdade é o escudo contra os que o querem pelo avesso:
O poeta, enfim, é um caranguejo que se libertou do balde!

Martim César