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sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Programação

Ficarei alguns dias fora, mas deixo a programação poético-musical para os próximos eventos:

1) Dia 25 de Outubro - La Mancha - Jaguarão - RS Lançamento do CD Memorial de Campo
Letras minhas, com melodias de Alessandro Gonçalves,  arranjos de Everson Maré e interpretação do cantor missioneiro Ângelo Franco.

2) Dia 26 de Outubro - Concórdia - SC - Festival Fronteira da Canção - 2 canções com letras minhas e melodias de Paulo Timm (Interpretação de Maria Conceição e Robledo Martins) e Miguel Díaz (com o grupo El Andén - La Plata - Argentina)

3) Dia 16 de Novembro - Mesa Redonda  'Amor, Revolução e Liberdade' - Feira do Livro de Pelotas

4) Dia 18 de Novembro - Feira do livro de Herval - Lançamento do Livro 'Sobre Amores e outras utopias' e, possivelmente a oficina de poesia Poemarte (com a participação dos atores Fernando Petry - como Dom Quixote e Sandro Calvetti - como Sancho Pança e ainda o confrade Paulo Timm nas canções)

5) Dia 21 de Novembro - Lançamento do CD Paisagem Interior em Pelotas, com letras minhas e melodias de Paulo Timm e Alessandro Gonçalves, na interpretação de Marco Aurélio Vasconcellos)

6) Dia 23 de Novembro - Lançamento do CD Paisagem Interior no espaço La Mancha - Jaguarão RS, com letras minhas e melodias de Paulo Timm e Alessandro Gonçalves, na interpretação de Marco Aurélio Vasconcellos)

7) Dia 30 de Novembro - Lançamento do Livro Sobre Amores e outras utopias em Arroio Grande - A confirmar

8) Dias 07 e 08 de dezembro - Califórnia da Canção de Uruguaiana - com a canção de Barro e Luz - Letra minha com melodia de Paulo Timm e interpretação de Marco Aurélio Vasconcellos.


quinta-feira, 24 de outubro de 2013

A verdadeira pátria do homem é a infância. Jose Maria Rilke



Premonição

Quando eu tinha sete anos
Uma carreira verdadeiramente promissora me esperava.

Mas o destino tem seus mistérios...
Seus desígnios insondáveis.

Uma bola 'Dente de leite' envelhecida, ressecada,
Um chute quase perfeito na trave esquerda,
No cantinho esquerdo, indefensável,
Mas que fez uma curva aberta, fugindo do goleiro,
Uma curva que fez a bola pegar no poste,
Que era, por sinal, o pé da prateleira
O poste esquerdo da prateleira da sala de casa.
Minha área improvisada nos dias de chuva.
A prateleira que era o xodó da mãe,
E que tinha taças e baixelas,
E que tinha pratos e copos de todos os tipos,
E alguma importância.

Foi um chute seco, desferido a la Rivelino,
No canto esquerdo. Bem no pé da trave. Perfeito.
Cheguei a comemorar por antecipação.
Mas a prateleira não achou o mesmo.
Cismou de renguear, de se agachar de lado.
Em câmera len-ta. Em câmera mui-to len-ta.
E, em câmera mais len-ta a-in-da, foi caindo,
Assim meio de lado, meio de frente.
Veio abaixo. Es-pa-lha-fa-to-sa-men-te.

Não preciso dizer que uma terceira guerra mundial,
Um novo meteoro extinguindo os dinossauros,
Uma bomba de hidrogènio caindo na calçada em frente,
Não teria o efeito perigoso e negativo daquele impacto,
Muito menos o ruído. O estrondo. O estardalhaço.

Quando a mãe voou pela porta dos fundos, branca, aturdida,
Por entre os cacos de vidro,
Decidida a salvar cada pedaço que resumia, até ali,
A história da sua vida.

Foi somente aí que eu pude descobrir,
Como em uma visagem premonitória,
Que ali, justamente ali, após aquele lance quase genial,
Justamente ali...
Havia acabado definitavemente
A minha promissora carreira
de jogador de futebol.


Martim César (em parceria com o confrade Daniel Moreira)

terça-feira, 22 de outubro de 2013

O tempo que corre fora, não é o que corre por dentro...



Percepções

Percebo quase nada.
Vivo minha vidinha cotidiana.

Não percebo o tempo
Atirando poeira nos retratos.

Não percebo o tempo
Colocando rugas nos espelhos.

Percebo, talvez, um pouco
A inexorável partida dos amigos.

Isso percebo.
Mas percebo pouco.

Mas há algo que percebo bem:

O ponteiro do relógio vai seguir
(em seu tictac quase imperceptível)
Depois que eu já não perceber 
                                           mais nada.


Martim César



quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Todo está clavado en la memoria, espina de la vida y de la historia - Leon Gieco



Por onde passou o Condor


Dizem que nunca morreram.
Que estão aí. Que renasceram uma e mil vezes,
Por mais que os fuzilem.
Por mais que os desapareçam.
Por mais que pensem que eles se calaram.
Estão aí... Hidalgo se chamam. Morelos também. E Zapata.
E centenas mais. Milhares mais. Milhões mais.
Pois têm a estranha mania de se multiplicar.
E, assim, causar a fúria dos que se creem acima dos mortais.

São esses meninos que enfrentarão os tanques,
Com uma flor para ofertar.
São essas meninas que aparecerão nos jornais,
Como perigosas guerrilheiras,
Como desajustadas crias de uma família cristã.
Essas que teriam tudo para serem devotas e obedientes,
Mas não são. Pois têm o bendito defeito de se rebelar.
Maravilhosas ovelhas negras
Que não se curvarão jamais frente à opressão.
Rigoberta se chamam. E Maria Helena. E Delmira. E Anaclara.
Aí estão... rompendo os casulos hipócritas de um poder
Que se sustenta alimentando a si mesmo.

São esses que não se submetem ao poder dos poucos
Que querem comandar a muitos,
Argumentando que sempre foi assim,
Por que assim Deus quis...
E o Deus que assim quis foi, é claro, o dos seus altares,
Onipresente e opressivo, rico e conservador.
Um Deus homem, por supuesto.
E que deve ser chamado de senhor...
A quem devemos fé e submissão.
Esse que não é o dos sem-teto e o dos sem-terra,
Embora se disfarce como se assim fosse.
Esse que não é o dos milhões de subjugados
Por todos os cantos deste mundo,
Pelos séculos dos séculos, amém.

Dizem que seguem mais vivos do que antes,
Que suas vozes transcenderam os calabouços.
Que são muitos e que gritam por justiça,
Mais do que nunca.
Dizem que a terra que os cobriu
Não conseguiu encarcerar as suas almas.
Elas sussurram. Elas murmuram. Elas falam.
Elas gritam pelas bocas dos homens novos.
Das mulheres novas. E elas não pedem. Exigem!
Elas não reclamam, vão em busca!
Constroem o futuro. Preparam o caminho.
São vozes de Martí. De Neruda. E de Sandino.

São vozes de Guevara. E de Lamarca. E de Zumbi.
São vozes de Lilian e Universindo. De Juan e de Rodolfo.
São palavras de Allende, ressoando dentro de nós.
São alamedas por onde cruzam os homens novos.
As mulheres novas, sem dogmas nem preconceitos.
Os que construirão esse futuro que mais cedo que tarde,
Ainda chegará. Onde o homem não será o algoz do homem.
Onde, enfim, saberemos que todos somos um só.
Onde o mais humilde será o mais privilegiado
Como nos disse, certa vez, um dos primeiros visionários
Desse tempo que um dia ainda haveria de chegar.

São vozes de Violeta, de Dolores e de Elena.
De Elena, sim, e de sua mãe Tota Quinteros.
Nunca se esqueçam! Arrancadas da vida para a eternidade.
Uma pelas lembranças, cada vez mais vivas, de sua filha,
Pelo amor infinito que deveria ser o de todo ser humano.
Outra pelas garras dos chacais protegidos por suas fardas.
Elas aí estão. E eles, os chacais, há muito já se foram.
Que a terra nunca lhes seja leve.
Que a mãe-terra os deserde e lhes pese sobre os ossos.
E mesmo os que ainda vivem estão mortos,
Tentando se esconder, em vão, atrás de justificativas inúteis,
Pois a obediência devida e o ponto final já não lhes protegem.
Já não lhes servem de escudo. Não disfarçam suas garras.
Não lhes salvaguardam a consciência. Não lhes absolve.
Não lhes defendem da visão dos seus atos sanguinários.

Pois esses que usaram a espada contra a utopia,
Esses que covardemente se esconderam atrás de fuzis,
E de canhões. E de metralhas, covardemente,
Como abutres devorando a própria espécie,
Esses morreram e morrerão para todo o sempre,
Com seus nomes esquecidos. Manchados.
Apagados. Por não merecerem nossa voz.
Estarão, para sempre, condenados pela infâmia e o ostracismo.
E os que forem lembrados alguma vez,
Só viverão por instantes. Por breves instantes,
Para poderem morrer de novo. E de novo. E outra vez.
Cruzando os círculos de Dante até chegarem ao último,
Onde estarão instalados até o final...
Sim... até o esperado final do final dos tempos.
No último círculo. No último. E se houver outro...
Um último círculo além do último. Ali estarão.
Para sempre... para todo o sempre.


Martim César




segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Feito certos animais, ou feito as crianças, há dois engenhos humanos que sempre me fascinaram: escadas e espelhos. Martim César





Escadas


Desço as
                   escadas
                                   de 
                                            mim
                                                        mesmo...

                                                                      degrau
                                                                                    por
                                                                                             degrau...

E ali estou eu:

                            bem

                                       no




                                                  fundo!




Ou melhor, ali está o eu que eu já fui um dia.

E o eu que já fui, agora é ele.

E - ao me ver chegar – responde, desaforado:





                                                                           novo...
                                                                
                                                                de

                                            tudo

                      subir

'Pode



                                                                     Não falo com estranhos!'



Martim César

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Onde termina a árvore, onde começa o pássaro?



Raiz e asas

Arvorizei-me um dia,
Brotaram-me raízes rumo ao chão,
Mas eu segui batendo asas.

Arvorizei-me um dia,
Minhas raízes ficaram cada vez maiores,
Ainda que invisíveis.

Tu não as vês, mas estão aí...

É que hoje eu trago a minha terra sob os pés.



Martim César

terça-feira, 8 de outubro de 2013

John! Eu não esqueço... a felicidade é uma arma quente! (Antônio)



Comentários a respeito do tempo

Belqui, te lembras
Dos sonhos antigos
Dos dias vividos sem norte e sem sul?
Te lembra da roupa surrada, na beira da estrada
Do tango argentino bem mais do que um Blues?

Belqui, te lembras
Que o velho era novo
Pelas ruas o povo se matando por paz?
Do condor vigiando pelos becos e esquinas
Enquanto a menina a gente beijava no filme em                     cartaz?

Belqui, o tempo passou e ninguém avisou
Que outro iria chegar...

Belqui, eles buscam teu rumo
Sem saber que o teu mundo
Está em outro lugar...

Belqui, eles seguem os mesmos contando metais
Mas são pobres mortais que não podem voar...

Por favor, não se assustem,
Eu quis dizer, me desculpem,
Que são ricos demais e não podem sonhar!

Belqui, te lembras
De uma canção solta ao vento
E que não havia silêncio que calasse tua voz?
Sem dinheiro no banco, mas dizendo, no entanto,
Que ninguém te diria de que lado nascia a luz do teu sol?

Belqui, te lembras
Desse dia... faz pouco!
Em que estiveste conosco em um lugar mais ao sul?
Belqui, o teu norte está em ti e nele canta um país,
Sem entender teu perfil de um cidadão... incomum.


Martim César

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Sábado 12 de outubro - Biblioteca Pública de Jaguarão - Entreda Franca



Participações especiais:

Paulo Timm
Leonardo Oxley
Hélio Ramirez
Gilberto Isquierdo
Alessandro Gonçalves
André Timm
Fernando Petry
Sandro Calvetti
E Jota Martim

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Quando eles vieram tão pouco possuíam, porém se diziam donos desta terra... Martim César

(continuação - a Enilton Grill)


(Imagem do livro extraída do Tótem de Cléber Carvalho)


América, dá-me teu silêncio...

América dá-me tuas sonoridades, teus nomes esquecidos,
Tua música criada desde o fundo dos teus espíritos de selva,
Dos teus nomes de pedra e barro, de salitre e de cobre.

Dá-me teu silêncio e teu martírio, teu pranto e teu lamento,
Porque eu preciso contar, ainda que não me escutem,
Ainda que estes tempos já não queiram te lembrar,
Eu preciso recordar. E te busco, desde os confins da memória.
Desde a noite dos tempos, desde as primeiras fogueiras.

Ahoniken, povo Tehuelche, Selknams e Yaganes,
Chonos, Huilliches, Payos e Kawésqars canoeiros,
Todos eles e outros mais te miravam desde o sul.
Ou desde o mundo anterior ao sul. Muito antes do sul.
Porque não havia sul nem norte, oeste ou leste.
Havia o mundo. Existiam as estações. O dia e a noite.
Existiam as ilhas e as geleiras, o temporal e a ventania.
E existia o mar que era o final e o começo de tudo.

América, dá-me teu canto mais sentido, teu silêncio aborígene,
Tuas palavras naturais, teu idioma híbrido de gente e terra,
Tuas noturnas visões de um céu misterioso e intocado.

Mapuches e araucanos te miravam desde onde o sol nascia,
Te adivinhavam sob as luzes infinitas do firmamento,
Sob a pálida e gigantesca lua, com suas formas variáveis,
Debaixo de mil constelações, de poeiras incandescentes,
Desde onde milhares de estrelas surgiam a cada anoitecer.

Ali cruzavam as montanhas, tão altas como deuses impassíveis,
Ali admiravam o voo dos condores de gigantescas sombras,
Ali imitavam e reverenciavam os silenciosos pumas caçadores.

E foi assim por milhares de luas e por quase infinitas gerações,
Por incontáveis noites de histórias e de cantos ao redor do fogo,
Por milhares de caçadas de focas e guanacos, de lobos e baleias.

Até que um dia, de repente, apareceram os primeiros vestígios
De que tudo acabaria, de que o final viria pelas mãos do mar,
O mesmo misterioso mar que trazia alimento a tantos povos.

Ruído. Vozes. Alarido. Estranhas palavras tocadas pelo vento.
Rumores agudos e metálicos que este mundo jamais ouvira,
E que trariam o cheiro da morte humana a estes confins.

Foi quando assombrosas casas de madeira chegaram até aqui.
E delas saíram homens pálidos e barbudos, metálicos e hostis.
E mesmo os não ferozes, trouxeram males que não conhecias.

América, dá-me todas as imagens de dor, todas as tuas chagas,
E ainda assim serão poucas para contar tudo o que sucedeu.

América, dá-me teu silêncio mais profundo, tua canção sentida,
Feita de vento e de pedra, de neve e de água, de silêncio, enfim.



De silêncio. Sim... de silêncio.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Como se jogasse a vida...



Uma guerra entre dois reis

De uma carta de baralho estava suspensa a minha vida
Se fosse um Às ou fosse um Rei eu gritaria que era sorte
Tudo, no entanto, dependia de outra mão de fino corte
(E eu ali dando o meu reino só por vencer essa partida)

Tirei do maço um Rei de Espadas, majestoso pelo porte
E vibrei comigo, pois nele eu vi uma batalha já vencida
Faltava pouco! Mas o oponente retrucou-me a investida
Num Rei de Bastos. Que foi basta à certeza da sua morte.

Eis a guerra entre dois reis... ainda mais cresceu o drama.
Lanças e escudos, e valetes a se medirem, frente a frente
(Obviamente, de permeio, sempre as cores de uma dama)

Tapei com Às. Ele com dez. Seguiu-se a luta, inclemente
Destapou um três. Pensei: é mesmo a glória que me chama
Pobre de mim! Azar, enfim...
                                            pois destapei um dois somente!


Martim César

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Meu pai contava, seu moço, que em tempos do meu avô havia festa, alvoroço, na volta dos pescadô... Martim César



O rio é o sangue da terra

Quem mata a sede de um rio
Que está morrendo no olhar
… pedaço de céu que caiu
E foi correndo até o mar?

Se hoje no chão das margens
Só a tristeza é quem passa
Se o lixo sobre a paisagem
Manchou o branco das garças

Quando enfim entenderemos
Que cada rio é uma artéria
E que cada gota do seu leito
É o próprio sangue da terra?

É o que dá vida ao planeta...
A água, o solo, o ar puro...
Herança que o homem deixa
Pras gerações do futuro

Há um rio morrendo de sede
Frente ao descaso do homem
Que atira rede e mais rede
Mas já não mata a sua fome

Talvez num dia... já perto!
Os rios, cansados de tudo
Nos mostrarão num deserto
O que fizemos do mundo!


Martim César

terça-feira, 1 de outubro de 2013

A liberdade tem valor, nunca tem preço. Martim César

(Para Enilton Grill)

Imagem: Torres García


E te chamaram de América...


Tu que dormias no anterior a tudo,
Na primavera dos tempos. Na infância do mundo.
Tu que eras presente eternamente continuado.
Terra embalada por sons naturais. Sinfonia perpétua.
Água esculpindo nas pedras o rumo dos rios,
Floresta soprando no vento o gérmen da vida.

Tu que eras palavra de mil bocas.
Grunhidos e sinais, latidos e canções.
Idiomas de gente e bicho. Tu que eras vegetal.
Folha sussurrando ao vento. Chuva respingando o chão.
Tu que não precisavas nome de terra, pois eras a própria terra.

Tu que antes eras pedra e árvore, areia e campo,
E entre eles eras água, líquido vital, rumoroso e puro,
Eras filete escorrendo da neve da montanha,
Eras a primeira gota derretida ao sol e a segunda gota,
E depois o córrego que cantou na linguagem das pedras
E que, mais abaixo, encontrou outro córrego,
E assim se tornou um riacho e que se juntou a outros
E que se tornou rio que, de afluente em afluente,
Foi crescendo, alargando margens, saciando bocas,
Até desembocar, ruidoso e imponente, no mar amplo
e insondável.

Rio que antes irrigou as selvas, campos e sertões,
E encharcou pântanos, e fecundou vales,
Sendo a fonte onde se saciariam animais e homens
E de onde nasceriam os vegetais que seriam domesticados
Para servirem de alimento e de ofício cotidiano,
E que, por fim, plantariam o homem em cada lugar.


Porque tu semearias os homens nestas imensidões,
Vindos de terras distantes, atravessando estreitos gelados,
Em tempos imemoriais, em sagas que não foram narradas,
Por serem anteriores a estas eras, a estes tempos,
Mas que foram tão reais que ainda estão em nossos gens,
Na adoração ao fogo, na sobrevivência ao frio,
No lobo renascido em cão, ainda hoje enterrando ossos,
Para um inverno que já não é igual,
Mas que sobrevive, implacável, em sua memória.

Os homens, que também viriam em barcos, desde o poente,
De lua em lua, de ilha em ilha, de geração em geração,
De fogueira em fogueira, vencendo ondas e penhascos,
Até alcançarem estas paragens de onde não mais sairiam.

E, assim, por milênios te cruzaram de norte a sul,
De oeste a leste, da cordilheira à pampa,
Da floresta ao deserto, dos médanos até o mar.
E se entrecruzaram, misturando seus sangues,
E enredaram suas mãos e seus pés feito raízes,
E pariram novos deuses da chuva e do trovão.

E foi só então que os sons começaram a te nomear,
Só então começaram a musicar teus nomes.

Porém não eras América ainda, e sim a terra.

Somente a terra, ainda sem nome, ou de muitos nomes,
Desde o mundo Alakaluf, no extremo sul,
Gelado e aquático, nevado e canoeiro.
Até o povo Inuit no extremo norte do mundo,
Também feito de gelo e de água, de nevascas e de vento,
Na brancura eterna dos confins deste hemisfério.

E entre esses dois lugares, nas distâncias abissais,
Sob as noites de infinitas estrelas e planetas,
Objetos misteriosos que se moviam sem parar,
Forjavam-se homens e mulheres, mulheres e homens,
Cada vez mais, noite após noite, vida após vida,
Para que um dia tivesses esse nome que agora escrevo,
Esse nome que veio de longe, de outros mares,
E que levamos como filhos que não puderam escolher
Com que palavra se reconheceriam, com que som,
E que não sabemos se nos cabe, mas que ouvimos
E que quando nos chamam, orgulhosos ou contrafeitos,

Jamais indiferentes, atendemos.