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segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Retinas vagas que assomam da janela de outro mundo...


Olhar vago de mulher num quadro antigo

No olhar distante, a memória de um tempo que passou
Vida que ficou entre a moldura do retrato, eternizada
Retinas vagas que se assomam da janela de outro mundo
Imagem que diz tanto e, no entanto, para tantos não diz nada

A história de um romance que morreu sem ter nascido
Tempo esquecido em que o charque comandava este lugar
A moça a sonhar, no seu balcão, com seu poeta preferido
E ele – moço – ainda iludido com o poder do verbo amar

Na casa grande, naquela noite de verão, houve uma festa
Onde uma orquestra embalava a leveza de alguns pares
E de repente o amor – que não conhece leis ou regras -
Revelou-se nessa entrega que só percebem dois olhares

Porém a distância invisível que separa os sobrenomes
Obra dos homens por se crerem mais acima dos demais
Fez com que a moça não pudesse escolher o seu destino 
E o amor menino se perdeu, num adeus de nunca mais

Hoje quem olha essas paredes onde o passado ainda resiste
Sente que existe algum segredo que em seu peito pede abrigo
E não compreende o porquê de, sem querer, saber-se triste
Ao ver-se preso no olhar vago de mulher num quadro antigo

Martim César


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Além da curva há outra curva...



Caminho sem volta

Quando ele partiu do seu lugarejo,
Tinha o grande sonho de vencer na vida...
Levava a esperança nos braços de moço,
Deixava o seu mundo nessa despedida.

Levava nos bolsos, além de uns trocados,
O rosto da amada na fotografia...
Deixava um adeus num beijo salgado
E a jura sagrada de que voltaria.

Mas na grande cidade a vida é difícil...
Não sorri a fortuna para qualquer um!
O dinheiro acaba, não há onde morar,
Restam as favelas ou lugar nenhum.

Conheceu o inferno mas sobreviveu,
Pois quem é esperto sempre se dá bem...
Conhecido no morro, temido no asfalto,
Numa arma o poder e, enfim, era alguém!

Pensava em voltar mas não era tão fácil,
Quem joga esse jogo não sai sem perder!
E o caminho de volta se fez tão distante,
O destino jogava as suas cartas também...

Quando a polícia estourou o seu ponto,
Houve algumas mortes, coisa tão normal...
Morreu um traficante que era só um menino,
Tão jovem ainda e já um marginal!

Tornou-se famoso como sempre quis.
Seu rosto estampado em todos os jornais...
Até mesmo no diário do seu lugarejo,
Quem viveu na guerra hoje dorme em paz!

Quase ninguém viu no calor da tragédia
Que ao lado do corpo uma passagem havia
E, junto a ela, sorrindo, um rosto de menina
Manchado de sangue na fotografia!!!




Martim César

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Arma de doble filo la soledad... Los olimareños



Allá donde el campo es cielo

Mirando la lejanía
Allá donde el campo es cielo
Abre alas para el vuelo
Sin salir de su lugar

Al rededor de su rancho
Son leguas de imensidad
La soledad... lleva adentro
Afuera... el campo nomás

La vida pasó de largo
Y hoy es tan solo un viejo
Que si le pesa la edad
Le pesan más los recuerdos

Tuvo un amor hace tiempo
Quizás le faltó coraje
Todo quedó en el intento
Y en las bromas del paisanaje

Por eso ha quedado solo
Mateando y a recordar...
Allá donde el campo es cielo
Y la vida es la soledad



Martim César

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Oficina poética



A poesia é uma flecha por chegar ao seu destino...

(Verso de Alavanca de Arquimedes - Sobre amores e outras utopias)

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Letra da música que tirou o segundo lugar na Moenda - Premiada como a melhor poesia - Uma história da Pampa





                         Décimas da raiz pampeana

I
Venho do fundo do tempo
Abrindo trilhas na história
Madeira, seiva e memória
Que brotam livres no vento
Eu sou esteio, sustento                                  III
De pago, pampa e país                    Não quero pena, nem glória
Eu sou a ancestral raiz                   Por tudo que sou e digo
Que pulsa em cada semente           Três raças cantam comigo
Eu sou a própria vertente               E atestam minha trajetória
Do mundo que eu mesmo fiz           Nas lutas demarcatórias
                                                    Junto aos fortins de fronteira
II                                                  Eu fui a voz das trincheiras
Eu sou o verso que encerra            No anteceder das batalhas
Da minha estirpe, o sentido           Fui copla de amor, fui mortalha
Guerreiro ao fim preterido              Dos gauchos de três bandeiras
Pelas partilhas de guerra
Aos outros tocou a terra                                 IV
A mim, o dom de cantor                  Não busquem meu nascimento
Mas sei que tem mais valor             Rastreando antigos papéis
Quem canta suas verdades             Meu berço está nos quartéis
Com as rédeas da liberdade            De um tempo já sem idade
De não ter lei, nem senhor             Mangrulhos de imensidade
                                                    Vigiando os quatro horizontes
V                                                  No longe, o verde dos montes
Por isso não canto em vão              No perto, as lagoas calmas
Nem sigo a falsas estrelas              Em cima, o lume da Dalva
Há tanta gente que ao vê-las           Prateando a água das fontes
Renega o seu próprio chão
Mais vale essa comunhão
Entre o caminho e o andante
Que nesse andejar constante
Descobre ao mirar o mundo
Que o rio quanto mais profundo
Mais tempo terá por diante



Martim César

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Quando uma estrela cair, favor fazer três pedidos....



De uma noite junto ao rio

Estava à beira do rio
Ao lado do meu amor
Quando uma estrela caiu
Quando uma estrela caiu

Foi se apagando e apagou
Um pouco acima do chão
Nem mesmo um rastro deixou
Nos rumos da imensidão

Achei que era ilusão...
(A estrela tinha sumido!)
Mas ela disse que não,
'Deu tempo pra três pedidos!'

Foi quando voltei a vê-la
Bem no seu rosto a brilhar
A luz que sumiu na estrela
Estava no seu olhar!!!

Olhei pras águas do rio...
E quis saber bem depois
Dos sonhos que ela pediu
Dos sonhos que ela pediu

Mas deles ficou somente
A cena nunca esquecida...
Aquela estrela cadente
Mudou pra sempre minha vida!




Martim César

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O pago é a casa da infância... são os dias claros de voos rasos, mas de sonhos infinitos.



Para o que chamo de pago

O pago que eu trago em mim
Chegou-me desde a infância
Das velhas casas de estância
Ranchos de barro e capim
Nestes fundões do país
Onde aprendi a importância
De ver que só há distância
Pra quem perdeu sua raiz

O pago é um lugar sagrado
Que vive dentro da gente
Que ainda andando distante
Mesmo sem vê-lo, se sente
E está aqui no meu canto
Que não é igual a nenhum
Mas parecido a esses tantos
De identidade comum!

O pago que eu trago em mim
É o sangue dos ancestrais
É o tempo que em mim se faz
Desde o princípio até o fim
Tendo uma vida por meio...
É o avô dizendo ao meu pai
Que não descobre aonde vai
Quem não sabe de onde veio!

O pago é a casa paterna
Que eu deixei algum dia...
A mãe chamando pra dentro
Cuidando os passos da cria
É a terra onde eu ficarei
Envolto, enfim, para sempre
Pra ser não mais do que um nome
E, talvez, de um povo... semente!




Martim César

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Quando, um dia, eu voltar a ser criança...




Cantiga para os dias que se foram


Eu bem sei do tempo que esmaece as cores sem pedir licença
Nos velhos retratos que mostram o rosto que foi nosso um dia
Desse olhar de moço que embora há muito já não nos pertença
Gravado ficou, banhado de sol, no instante eterno da fotografia


Percebo a mudança quando algum espelho me devolve a imagem
De um ser distinto ao que não mais que ontem habitava em mim
E que - em silêncio grave - desaprova o gesto de seguir viagem
Sem entender que a vida tem um só sentido que nos leva ao fim


A alma que me move e que se manifesta cada vez mais viva
Não detém o passo que muda a matéria como lhe convém...
O tempo trabalha e - de vez em quando - ainda nos avisa
Aproveita o hoje que está ficando tarde e a noite logo vem!


Penso, muitas vezes, que eu trouxe comigo a casa da infância
Onde desde os quadros os meus ancestrais miravam da parede...
Quando fecho os olhos, recordo velhas noites e vejo na distância
Um guri com medo... que não se levantava, mesmo tendo sede


Esse guri que eu fui e que fugiu do espelho sem dizer-me adeus
Não sabe do adulto que chegou sem graça e lhe roubou o posto
O mesmo que vê, em seus traços fundos, o quanto envelheceu
E tampouco entende de onde vem as marcas que hoje traz no rosto




Martim César

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Filosofia de botequim nro 1





Rastros

Quem segue passos alheios
Não deixa r-a-s-t-r-o-s
                               na estrada!

(plat-plat-plat-pla-pl-p-....)


Martim César

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Quem foge à luta não aprende nada, pois mais vale o passo que a própria chegada. Martim César



Sobre as utopias

(fragmentos de Belchiorana nº1)



Onde estará agora a tua fúria jovem
      Tua palavra ao vento
      Tua esperança nobre
      Nesse mundo que havia de vir?

Onde estarão agora as tuas utopias
O teu punho ao alto
Tuas garras de sonho
Enfrentando aos gritos os surdos fuzis?

Que o mundo mudou, disso eu já sei bem...
E que nesses anos todos, mudamos também
Que a guerra foi perdida e que ficamos sós
E que essa não é a vida que sonhamos nós

Mas quem foge à luta não aprende nada
Pois mais vale o passo que a própria chegada
E o maior segredo é não andar sozinho
É ir tirando, juntos, as pedras do caminho

Onde estará a tua alma revolta
Tua raiz de povo
Tua canção liberta
Sonhando nas praças um novo país?

Onde estarão agora os teus ideais
Tua juventude alerta
Semeando nas ruas
O chão desses filhos que hoje estão aqui?


Martim César 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

No hay dolor más atroz que ser feliz... Alfredo Zitarrosa



Aquele carnaval

Aquele carnaval
Passei como Robinson Crusoé sem Sexta-Feira,
Como o derradeiro ser de uma raça em extinção.
O ruído distante dos tambores caindo dentro de mim
Como fosse o rumor de um milenar
ritual de sacrifício.

Pouco sabia de ti. Nada sabias de mim.
E eu teria dado todos os meus sorrisos tortos,
Todo o meu repertório de pequenas alegrias,
Todos os meus cuidados ainda adormecidos,
Tão somente para que estivesses comigo.

Aquele carnaval
Passei como Adão antes de perder a costela,
Diante de mim o paraíso e, no entanto,
tudo me faltava.

Depois tudo passou. Como tudo sempre passa.
Naquele carnaval eu, por fim, havia descoberto
que não só as quartas-feiras
são de cinzas.


Martim César