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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Não deixem morrer meu rio, me ajudem, por favor... o biguá que mergulhava já morreu, aguapé não dá mais flor! Paulinho Pires



Terra que te quero viva

Silêncio na terra ao braço que berra
E mata nos matos o verde da vida...
Uma trégua na guerra impiedosa que encerra
Em suas mãos o amanhã 
de uma herança exaurida” 

A chuva que cai sobre o solo
Já não rega e carrega
O chão que não gera
Para o fundo dos rios
E os rios assoreados
Transbordam recados
Anunciando a chegada
De um tempo sombrio

A cobiça de alguns
Outorgou latifúndios
Que são cortes profundos
Sobre a face da terra
Sesmarias sem fim
Para tão poucos donos
No ultrajante abandono
Que rodeia a miséria

Quem só pensa no agora
Mata o chão com certeza
E a sua pobre riqueza
É que aperta o gatilho
Quem só pensa nos lucros
Sem olhar para o lado
Vai deixar de legado
Um deserto aos seus filhos

Terra, de alma cansada
Morrendo calada
Aos olhos da fome
Terra, senhora dos frutos
Pagando os tributos
Da ganância do homem...
Aos olhos da fome!



Martim César 

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Essas palavras que escrevo me protegem da completa loucura. Charles Bukowski



Um degrau antes do infinito

Apenas a um degrau para o infinito
A um segundo tão só da eternidade
Neruda disse ao povo:’Certo, eu fico
Não é hora de descanso ou de vaidade
Ainda que viver, enfim, seja um delito
E custa, meu irmão, ter tanta idade!’

E se não disse, meu amor, fica por dito
Qual o poeta que um dia não mentiu?
Mesmo Bukowsky, o maldito dos malditos
Estando triste, só por pirraça nos sorriu 
E entre álcool e cigarro, em seus ecritos
Pintou o deserto e inventou seu próprio rio

É um andarilho de estrelas quem escreve
Um semeador de manhãs que sempre insiste
Mesmo quando por sonhar treme de febre
E esconde em um sorriso que está triste
Mas total... o dom é eterno, a vida é breve
E sem os moinhos os Quixotes não existem

Apenas a um degrau da eternidade
Quando o barqueiro já estendia a sua mão
Pessoa disse ao mundo que a verdade
É que viver não é preciso, meu irmão 
E um verso vale mais que a humanidade
Quando a sereia nos entoa uma canção’



Martim César

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Temos a chave, mas onde estará a porta?




Tempo ausente

Eu bem sei do tempo que esmaece as cores sem pedir licença
Nos velhos retratos que mostram o rosto que foi nosso um dia
Desse olhar de moço que embora há muito já não nos pertença
Gravado ficou, banhado de sol, no eterno instante da fotografia


Percebo a mudança quando algum espelho me devolve a imagem
De um ser distinto ao que não mais que ontem habitava em mim
E que, em silêncio grave, desaprova o gesto de prosseguir viagem
Sem entender que a vida tem um só sentido que nos leva ao fim


A alma que me move e que se manifesta cada vez mais viva
Não detém o passo que muda a matéria como lhe convém...
O tempo trabalha e - de vez em quando - ainda nos avisa
Aproveita o hoje que está ficando tarde e a noite logo vem!


Penso, muitas vezes, que eu trouxe comigo a casa da infância
Onde dos seus quadros os meus ancestrais miravam da parede...
Quando fecho os olhos, recordo velhas noites e vejo na distância
Um guri com medo... que não se levantava, mesmo tendo sede


Esse guri que eu fui e que fugiu do espelho sem dizer-me adeus
Não sabe do adulto que chegou sem graça e lhe roubou o posto
O mesmo que vê, em seus traços fundos, o quanto envelheceu
E tampouco entende de onde vem as marcas que hoje traz no rosto



Martim César

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

"A vida já é curta e nós a encurtamos ainda mais desperdiçando o tempo." ( Victor Hugo )


Um rio que navega nas sombras

Há um rio que viaja em silêncio
E que corre aqui dentro de nós
É corrente que vai sem regresso
Sempre em frente a buscar sua foz

Se adivinha na tez dos espelhos
Quando mostra sua face de algoz
Se não o vemos – ele vai tão ligeiro
Se o buscamos – ele vai mais veloz

Passam sonhos que nascem e somem
Em mil vidas nos dramas diários
Sob as águas de um rio que tem fome
E só não muda o seu eterno cenário

Rio do tempo que a tudo consome
Entre margens de datas e horários
Que resumem a vida de um homem
Em dois dias sobre um calendário

Há um rio que navega nas sombras
E que força nenhuma o detém
Nem disfarce humano que esconda
Esse Deus que não poupa ninguém

É o destino que – impassível – nos ronda
Pois já sabe o desfecho que vem
Vamos todos seguindo em suas sombras
Para um mar que já não está muito além...

Martim César

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Quem mata o tempo não é assassino mas sim um suicida. Millôr Fernandes

Arma nuclear


Pasmem!
Ontem morreu no Japão
O único ser humano
Que sobreviveu a duas bombas atômicas.
Morreu de velhice!
Isto quer dizer que o tempo,
Essa grandeza invisível...
quase imperceptível
de tão sutil,
É infinitamente mais potente
(mais letal!)
do que qualquer arma nuclear
inventada pelo homem!



Martim César

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

A folha da juventude é o nome certo desse amor... Milton Nascimento



Aos meninos de Santa Maria

O que fazer com tanto amor, Santa Maria?
Com essa flor que não terá mais primavera
Com tantos cadernos que restaram pelos quartos
Com tantos sorrisos tão alegres nos retratos
Com tantos abraços que estarão sempre à espera?

O que fazer com essa flor, Santa Maria?
A juventude tem o brilho de um sol ao meio dia
É uma folha ainda em branco onde se escreve a poesia
É uma chama de esperança que ilumina o nosso olhar
Mas é tão frágil neste mundo/que no descuido
De um segundo/pode tudo se acabar

Uma canção não tem o dom de um sentimento
Não traz a paz... só que ser mais do que o silêncio
É uma gota de memória num oceano em desatino
É uma lágrima escorrendo pela face deste tempo...
Pra que não se esqueçam nunca mais desses meninos!

O que fazer com essa dor, Santa Maria?
Dos que ficaram sem seus nomes mais queridos
Dos que ainda esperam pela volta dos seus filhos
Dos que não entendem o porquê desse destino...
Não dar adeus aos que já nunca voltariam


Martim César

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito. Milton Nascimento





o poeta não morre
como não morrem
os dias com as noites
ou as noites com os dias

o poeta não morre
porque não nasceu
já existia antes mesmo
do surgimento das horas
e desde sempre esteve lá
observando incrédulo
confuso, incerto, impreciso...

o poeta não morre
nem quando morre a poesia
porque essa quando morre
é só para renascer no outro dia


Valder Valeirão (uma pequena grande homenagem)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

más y menos, y en el otro extremo de esa línea, estás tú, mi tormento, mi fabuloso complemento, mi fuente de salud. Jorge Drexler



Alquimia


Pela lei dos corpos em movimento
Forças centrífuga e centrípeta
Teu corpo, meu corpo
Exata sincronia

Pela lei da vibração molecular
Dilatação dos líquidos
Meu sangue, teu suor
Alquimia perfeita

Pela lei da gravitação universal
Meteoro no teu mar
Meus olhos, tuas órbitas
Explosão de supernova

Pela lei da relatividade
Espaço-tempo indivisível
Eu em ti, tu em mim
Átimo infinito

Pela lei quântica dos átomos
Indecifrável conceber
Eu contigo, tu comigo
Minha única lei.

Martim César

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Como un acróbata demente saltaré, sobre el abismo de tu escote hasta sentir que enloquecí tu corazón de libertad... ¡Ya vas a ver! Astor Piazolla



Fábula para um anjo equivocado

 

Bem assim ... como se fosse por acaso
Eu vi renascer um sentimento morto
O navio outra vez deixando o porto
O sol amanhecendo em pleno ocaso

Eu que estava em outro tema absorto
Sobrevivendo tão somente por descaso
De repente, frente a mim, em voo raso
Vi um cupido parecido a um anjo torto

Como se fosse por acaso... bem assim...
Tal qual um rio que brotasse do deserto
E buscasse achar o mar, dentro de mim

Varou-me o peito, por engano, o querubim
Talvez por cego errou o alvo, embora perto
Mirou em Abel e (o que fazer?) flechou Caim.



Martim César


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Ainda assim te encontraria, feito um lobo farejando a sua presa...



Sombras de Morfeu

Se de repente o sol caísse
Feito um copo, estilhaçado aos teus pés
E a lua para sempre resumisse
Em sua luz, a força oculta das marés

Noturnos homens caminhando
Como sombras pelo chão dos hemisférios
A Via Láctea no sem fim se navegando
Rio alado rumo a um porto de mistérios

Ainda assim te encontraria
Feito um lobo farejando a sua presa
Pois teu cheiro de mulher te denuncia
E o teu olhar é uma chama sempre acesa

Se de repente a vida fosse
Não mais o infindo renascer dos dias
E sim a noite sucedendo a noite
Escuras praias sob o som das maresias

Cegos vultos na escuridão
Buscando a vida já ausente das retinas
Em um sombrio tempo de ilusão
Silhuetas negras que o luar não ilumina

Ainda assim te encontraria
Feito um lobo farejando a sua presa
Teu amor tem essa luz de poesia
De rio de estrelas rebentando mil represas

Martim César

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Em breve - livro Sobre amores e outras utopias




Poesia contra quem nos fere. 

Poesia para quem nos fere.


Poesia como o primeiro olhar de cumplicidade.

E o primeiro beijo. E a primeira lágrima de dor.
 
(E não existe outro amor mais delirante).


Poesia necessária, poesia imprescindível

Como a água que bebemos.


Poesia como um amor adulto, aparando arestas,

Buscando completar um estranho quebra-cabeças

Onde sempre está faltando alguma peça.

(E não existe outro amor mais desafiante).


Poesia como a ausência das pessoas que perdemos,

Mas que continuarão em nós, enquanto vivermos.

 
Poesia como um amor maduro,

Bebendo a última luz do entardecer.

(E não existe outro amor mais verdadeiro).


Poesia como alguém que dá sua vida

Por um ideal, por um amor, por um amigo.


Poesia como alguém que dá sua vida por alguém,

Sem importar-se que, afinal, está entregando

A sua mais bela - e, quem sabe? -
 
Única, necessária e imprescindível poesia.



Martim César