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quinta-feira, 31 de março de 2011

E uma vez lançada, a palavra voa irrevogável. Horacio



Entre San Juan y Mendoza


Minha vida (que ainda resiste meio assim a contragosto)
Parece um filme esperado que afundou no seu enredo
Entre San Juan y Mendoza se perdeu por um desgosto
Abriu asas para o vôo, porém fechou-as por ter medo


Cambaleante desde a gema, como tantas que conheço
Presunçosa de um destino que jamais se revelou

Se a sorte a andou buscando não achou seu endereço
Ou se um dia esteve nele, viu que o dono se mudou



Minha vida... essa pouca! -a que eu sonhei ser infinita-
Hoje caminha mendicante em algum beco sem saída
Qual fantasma de Carlitos de uma história mal escrita


Um Gran Finale não encontra... e já é a hora da partida!
Inseto frágil preso à teia (que mais se prende se se agita)...
E não há nem mesmo um remetente para uma carta suicida.





Martim César







quarta-feira, 30 de março de 2011

Si alguna vez he canta'o frente a panzudos patrones,he picanea'o las razones profundas del pobrerío:yo no traiciono a los míos por palmas ni patacones

Atahualpa Yupanqui

Mirando um quadro de sol

Um quadro de sol
Na moldura da parede
Não pode matar a sede
De quem bebeu horizontes

Um rumor de fontes
Cantando ainda no ouvido
Faz galopar os sentidos
Mas não lhe traz liberdade

Detrás da opressão das grades
Na sina igual a de tantos
O campeiro sonha o campo
Sem ter nem mesmo a cidade

Não tinha terra e nem nome
Só a piazada e a pobreza...
E a diária luta da mesa
Servida em pratos de fome

Depois é a história de sempre
Pouco importaram motivos!
Sua adaga em alheios chibos
Não foi, por certo, inocente

E hoje, em meio às estâncias,
Resta um rancho abandonado
E os seus piás extraviados
Perdidos... pelas distâncias.

Martim César

segunda-feira, 28 de março de 2011

Sou essa flor perdida que brota nas tuas margens, humilde e silenciosa, todas as primaveras. Alfonsina Stormi




O mar de Alfonsina


Hoje eu quero o mar de Alfonsina

Um poema em corais ao sul sangrando

Vida em cena que acena e se termina

Mas se eterniza em estrelas naufragando


Uma flor que por amor em vão germina

E que decide - nesse ato - onde e quando

Pois um oceano é toda alma feminina

Um copo cheio a cada gota transbordando


Podes dormir, pois essas algas são lençóis

Deixa que a lâmpada eu a apago mansamente

E se ele chamar eu só direi que não estás...


Se quer te ouvir que ouça o mar dos caracóis

E se quer te ver que veja o mar ao sol poente

Mas se quer te amar, eu só direi: tarde demais!


Mas se quer te amar,amor, direi

.........................................................que a deixe em paz!


Martim César

sexta-feira, 25 de março de 2011

A minha falha e o meu fracasso não são as minhas paixões, mas a falta de controle sobre elas.


Jack Kerouac





Overdose


Suas asas abriram-se no espaço...

Em um vôo louco, impossível.

Bebeu quimeras, fumou fantasias,

Flutuou para além da realidade.


Seus braços abriram-se no espaço

Mas eram braços jovens

(Feitos para amar, não para voar!)

Inúteis ante à força da gravidade.


Suas asas abriram-se no espaço...

Por um instante o céu foi seu...

Depois a terra... para sempre!


Martim César



quinta-feira, 24 de março de 2011

Longe de ti, tudo parou... ninguém sabe o que eu sofri. Amar é um deserto e seus temores. Djavan




La tarde en que inventamos el amor

La piel morena de tu cuerpo
Tenía el color de los cerros de mi pago
Camino indio... en luz y sombra
Misterio antiguo de un tiempo ya olvidado

Y el amor era un secreto
Que aún estaba en mis ojos ya cansados
Y que yo buscaba – viajero –
Como quien cruza un sendero jamás andado

Te quise así...
Eras el alba y yo una tarde ya sin sol
Te quise así...
Eras la luna y yo un desierto sin color
Y fuiste en mí
El cielo, el río, y el aroma de una flor...
Y fuiste en mí
Esa llama que aún arde
En esa tarde en que inventamos el amor

No hay razón en las razones
Cuando el alma estalla en cantos de chicharra
Las palabras ya no explican
Porque la vida baila al compás de mil guitarras

Otra vida empezó en esa tarde
En que temblando yo te di el primer beso
Y entonces descubrí... ¡lunita mía!
Que la vida,mi amor... ¡la vida es eso!

Diego Müller/Martim César

quarta-feira, 23 de março de 2011

Senso de humor é o sentimento que o faz rir de tudo aquilo que o deixaria louco de raiva se acontecesse com você. Barão de Itararé





Uma visita das buenas


Estava eu assim debalde
E um morto me apareceu
Dizendo que ‘agora é tarde
Só vim cobrar o que é meu!’

Logo eu que tenho medo
De tudo que é assombração
E um morto fazendo cena
Como querendo atenção

Pensei pra mim que era trote
- Brincadeira de mau gosto! -
Eu ali... bem vivo e forte
E me aparece esse encosto

Fui ao terreiro mais perto
Recorrer a um pai-de-santo
Que me disse: ‘fica esperto
Ou é mandinga ou quebranto!

Não é coisa de outro mundo..
Ou é... mas não perde a calma
Olha um espelho e eu te juro
Vais dar descanso a essa alma’

Por fim descobri o motivo...
O desfecho me surpreendeu:
O morto é que era o vivo
Quem estava morto era eu!

Martim César

terça-feira, 22 de março de 2011

A lua furando o nosso zinco salpicava de estrelas nosso chão...


Silvio Caldas





A sétima vez

Eu ontem morri de novo
E foi a sétima vez
Mas amanhã eu não morro
Ao menos não neste mês

Só se for nalgum domingo
Com dia pleno de luz
Mas não me peguem pra Cristo
Que não me agrada uma cruz

E que seja um tiro certeiro...
- ato de extrema paixão -
Talvez de um amor caborteiro
Que quis bandear-se de mão

Eu ontem morri de novo
Mas hoje morro mais não
É triste morrer tão moço
Faz mal pra o meu coração

Só se for de madrugada
E em frente à janela tua
Por querer dar serenata
Sob a luz clara da lua

Que venha enfim o punhal
Pra o morrer definitivo
Que está pegando tão mal
Morrer de amor... e estar vivo!

Martim César

segunda-feira, 21 de março de 2011

Durar não é estar vivo... viver é outra coisa. Mercedes Sosa





Fonte: Cultural - el País

Sabina inició en Tucumán su gira por Sudamérica
El cantor rindió homenaje a la gran "Negra" Sosa.
El cantautor español Joaquín Sabina inició en Argentina la noche del viernes su tour El Penúltimo Tren, con un masivo recital que incluyó un homenaje a Mercedes Sosa en Tucumán, ciudad natal de la cantante fallecida en octubre de 2009. El espectáculo había sido anunciado en principio para el día jueves 17, pero el mal tiempo (llovió durante buena parte de la jornada) obligó a su postergación.
Gente que llegó a Tucumán el día originalmente anunciado debió enfrentar algunas dificultades (pasar la noche en la ciudad, no ir al día siguiente al trabajo), pero casi todos quienes asistieron a la presentación de Sabina aseguraron a la salida que la espera había valido la pena.
"Ustedes pensarán que es un concierto más, pero no lo es. Pisar la Argentina no es nada parecido a una rutina y estar por primera vez en un escenario de Tucumán es muy emocionante", aseguró Sabina. Tiramisú de limón fue el tema elegido para comenzar el show en el anfiteatro Monumental, en la capital tucumana (1.300 km al norte), ante un auditorio que disfrutó de los veintiséis temas elegidos por el cantautor español, entre una selección de viejos éxitos y nuevas canciones.
Para recordar a Mercedes Sosa, el artista cantó parte de Luna Tucumana, una zamba del legendario compositor y ejecutante Ata- hualpa Yupanqui que solía cantar `La Negra`.

"Yo la quería y la admiraba", dijo Sabina sobre la artista y contó que la última vez que se vieron en Buenos Aires ella le pidió la canción Violetas para Violeta.
Las presentaciones de Sabina continuarán este fin de semana con recitales en las ciudades de Bahía Blanca y Mar del Plata y luego en Buenos Aires, Rosario y Córdoba (centro).
Sabina continuará luego su gira por Uruguay, donde tiene previsto ofrecer el 29 un recital en Montevideo. (BASADO EN AGENCIAS)

sexta-feira, 18 de março de 2011

Sai-me dos dedos a carícia sem causa,sai-me dos dedos...no vento,ao passar,a carícia que vaga sem destino nem fim,a carícia perdida,quem a recolherá?

Alfonsina Stormi






Flor de Irupê

A noite estrelada banhou a tua pele morena
E a noturna melena onde cavalgam segredos
À flor d’água navegas, tão distante e serena
Que minh’alma pequena, de tocar-te, tem medo

Suave flor dos remansos, aroma de vida
Tens em ti refletida toda a luz do luar
Tua lágrima clara fez-se estrela cadente
A cair para sempre dentro do meu olhar

Diz a lenda que, um dia, por amar tanto a lua
A querias tão tua que a buscavas... em vão
E que ao vê-la em um lago, banhando-se nua
Mergulhaste, e as duas são iguais desde então

Irupê, flor menina, em tuas águas, imerso
Te ofereço os meus versos, tão singelos assim
Mas que posso mais dar-te, se o meu universo
É estes sonhos dispersos de querer-te pra mim

Mais que o sol das manhãs revelando outro dia
A tua imagem irradia todo o lume que há
Já não temo do inverno, a sua noite mais fria
Teu olhar me anuncia que a primavera virá


Martim César

quinta-feira, 17 de março de 2011

Tudo o que acontece uma vez pode nunca mais acontecer, mas tudo o que acontece duas vezes, acontecerá certamente uma terceira. Provérbio árabe




Caminhos do tempo infindo

Dos Mouros eu trago o semblante moreno
E o destino estradeiro de andar mundo afora
Da Ibéria meu canto e o calor do meu sangue
E do Pampa até os Andes, minha viva memória

Don Quijote ainda singra as planuras de Espanha
Rumo a outras façanhas junto ao seu escudeiro
Onde El Cid renasce e entre o amor e a bravura
Faz reinar a ternura no coração de um guerreiro

Sou raiz de uma história que carrego no olhar
Sou um pouco de mar, e outro tanto de terra
Sou montanha, sou serra e o sem fim do deserto
Eu sou também campo aberto, rio do tempo a passar.

Saladino unifica as suas mil tribos dispersas
E aos quatro ventos professa a vontade de Alá
Os Cruzados carregam suas bandeiras cristãs
E entre a cruz e o Islã, só quem perde é a paz

Morre a raça Ameríndia sem direito ao futuro
E entre cercas e muros vai um povo sem terra
Quero a voz de outro mundo, do começo até o fim
Há um menino hoje em mim, já cansado de guerra


Martim César

quarta-feira, 16 de março de 2011

Me moriré en París con aguacero, un día del cual tengo ya el recuerdo. Cesar Vallejo (poeta peruano)






Aznavour, como tudo passou

Ela era tão linda
Como um céu de verão
E a mais bela canção
E o mar...
no amanhecer

Ela era tão linda
Como chanson do Aznavour
E o cruzeiro do Sul
E o mar...
ao entardecer

C’est triste Venice
Como o tempo passou?!
E ela era tão linda
Que eu às vezes ainda
Imagino nós dois...

Aznavour...
Como tudo passou?!...
E ela era tão linda
Que eu não sei bem ainda
Se era sonho ou amor

(Aznavour... se era sonho ou amor)

Ela era tão linda
Como a casa da infância
O luar na distância
E o sol...
no amanhecer

Ela era tão linda
Como um dia feliz
Primavera em Paris
E o sol...
ao entardecer
Martim César

terça-feira, 15 de março de 2011

Verás que todo es mentira, verás que nada es amor... que al mundo nada le importa... yira...yira..! Enrique Santos Discépolo





Nada más azul

Nada más azul/ que este cielo
Montevideo/ un río en vuelo
Espejo ardiendo/ en plena luz

Busco tu mirada/ en el recuerdo
De una niña/ que muy lejos
Buscó el norte.../ perdió el Sur.

Ecos/ de una antigua melodía
De una casa/ en que vivían
La pobreza/ y la ilusión

Tiempos/ de maternales abrazos
Calles/ donde aún mis pasos
En sueños van/ a buscar el sol

Nada más azul/ que tu canción
Que estos recuerdos/ de vos
De viento y luz,/ de frío y mar

Nada más azul.../ si aún te veo
Igual que ayer,/ Montevideo
Cierro los ojos/ y ahí estás.

¡Mira esa luna/ sobre el puerto!
Es la misma/ y hoy ha vuelto
A alumbrar/ mi corazón

Ella sabe bien/ cómo la extraño
Aunque/ ya pasaron años
Nuestro amor/ nunca pasó.



Martim César







segunda-feira, 14 de março de 2011

Não sou eu quem me navega, quem me navega é o 'bar'. Jadrix




A caverna

Era noite alta. Talvez a última, pensou. Havia se perdido dos outros e achar o caminho para a segurança da caverna era a sua única chance de sobrevivência.
Alta noite. Não era a primeira e muito menos seria a última. Rodar pela cidade, levantar o volume do rádio e escutar algo que acalmasse os fantasmas que sempre o acompanhavam. Depois chegar no bar de sempre. Beber o de sempre. Fazer o de sempre.
Arrepio. Todos os sentidos em alerta. O ruído de arbustos sendo amassados. A batida surda de patas no chão da floresta. Intuiu que eram seus próprios passos. Alívio. Nem tanto; aquele silêncio repentino não era um bom sinal. Começou a correr, mas não sabia em que direção.
Trânsito de sábado à noite. Sentidos voltados para os semáforos e o movimento das ruas. Muita gente, muitos carros, luzes muitas; mas a solidão parecia não se importar com isso e insistia em lhe acompanhar. Sabia que a necessidade de matar aquela sede que lhe secara os lábios, era mais da alma que do corpo.
Tinha sede. Pensava na caverna. No fogo acalmando aquela ardência de frio na sua pele. O fogo que há pouco aprendera a dominar. O raio que consumira a árvore; o atrevimento de um deles e a tocha conduzida até a caverna. Lembrou-se daquela noite em que expulsaram as sombras. Depois dela, as feras já não vieram mais. Temiam as chamas. Pensava no fogo, e corria.
Sirene. Homens correndo debaixo de um viaduto. Perigo na esquina. Um antigo instinto aflorou ao cismar que pareciam lobos. Não entendia o porquê, mas estava eriçado. Fechou os vidros e foi direto ao bar, pois tinha sede. Muita sede. A segurança de estar entre as pessoas o acalmou. Deu de ombros quando a solidão se sentou na cadeira em frente; faz tempo que se acostumara a isso.
Escutou os uivos. Nitidamente. Eles o haviam farejado, tinha certeza disso. Correu mais depressa. Já não se importava com o sangue que os galhos e espinhos lhe arrancavam. Os lobos pareciam cada vez mais próximos. Chegariam das sombras, hediondos, com seus dentes de terror. De repente, avistou a caverna. A chama ainda distante, porém acesa. Tremeluzindo. A proteção da fogueira. Os outros. No calor da mulher, pensou. Ainda sentia o suor dela misturado ao seu. Tinha que correr. Necessitava correr. Muito correr.
Antes não era a solidão que sentava ali. Mas isso fora há muito tempo atrás. Lembrou-se dos brindes. Dos sorrisos. Lembrou-se dela. Ela que quase o tirara desse labirinto. Lembrou-se que então a solidão acompanhava outros, ainda que de vez em quando olhasse na sua direção. Depois, mais confiante, foi fechando o cerco. Fitando-o de mesas cada vez mais próximas. Lembrou-se outra vez da mulher; com ela, quase conseguira alcançar o dia, os horários, a vida a dois; quase. Mas a atração da noite fora mais forte. Ímã. Gravidade impossível de vencer. Depois o tempo passara; noite sucedendo noite. Numa delas, quando a solidão por primeira vez pediu para sentar-se à sua frente, compreendeu que o labirinto já não tinha porta de saída.
Faltava pouco. Porém suspeitou que não alcançaria a caverna. Quase podia sentir o hálito quente das feras na sua nuca; as mandíbulas dilacerando a sua carne. Contudo, a caverna estava ali; bem à frente. Cruzou a clareira. Algumas pedras mais e chegaria até a segurança da fogueira. Finalmente divisou a porta. Agora bastava apenas cruzá-la. Então algo muito estranho aconteceu. Na penumbra, entrecortada pelas chamas, seus olhos divisaram uma imagem. Incompreensível. Não parecia a sua caverna, embora tivesse certeza que era. Muitas luzes. Muitos outros. Pedras que não pareciam pedras. Fogos que não pareciam fogos. Formas desconhecidas. E havia alguém que o encarava desde um canto. Alguém cujo rosto lhe parecia familiar. Vacilou, mas não havia tempo para pensar. Tinha que entrar. Não havia outra alternativa. Porém era tarde demais. Os lobos o alcançaram.
Madrugada. A solidão continuava ali; cada vez mais senhora de si. Já não pensava nessa companhia sempre tão fiel. Tampouco pensava na mulher. Nela que há tantos anos atrás quase o tirara daquele labirinto. Sabia agora, nunca houvera uma porta de saída. Era só de entrada, concluiu. Chamou o garçom; ele assentiu e foi até a cozinha. Não precisava pedir nada; ele já sabia. Muitos garçons passaram por ali; ele nunca passara. Ele e a sua companheira de mesa. Achava mesmo que sempre estivera ali; e mesmo quando mudava de bar, era como se sempre estivera ali. Ele e aqueles outros que sempre estavam, não importava o lugar. A noite sempre os encontrava. Pensou na frase que cunhara um dia, já nem se lembrava quando: “Os bares mudam, mas os boêmios são sempre os mesmos”. Sorriu. Um sorriso amargo. Oblíquo. Mais parecido a uma careta. As horas passaram. O mal maior era que, nos últimos anos, por mais que afogasse os náufragos da alma, o álcool já não fazia mais efeito. Conformado, pagou a conta. Chegou ao carro e, talvez por pirraça, abriu a porta do carona, fez uma mesura, e convidou a solidão para entrar. Ela agradeceu e entrou. Fechou a porta. Ouviu gritos ao longe; pareciam uivos. Como de lobos, pensou. Fez a volta no carro e olhou uma vez mais para o bar.
Na placa de néon, brilhando na escuridão da noite, havia um nome:
Caverna.







quinta-feira, 10 de março de 2011

Si nada nos salva de la muerte, al menos que el amor nos salve de la vida. Pablo Neruda




Canto al General

Desde a minha casa, Neruda
Não tão terrestre e marinha
Não tão íntima e universal quanto a tua
Eu te escrevo.

Muitos anos já escorreram
Rápidos
como esses violentos rios
da tua cordilheira poética.
Muito tempo para os relógios humanos
Mas quase nada
ou nada para o eterno tempo da poesia.

Estás vivo!
Mais do que eu, hermano mío!
Mais do que eu!
E seguirás vivo bem depois
que os meus minutos já não forem contados.

Mas eu não quero te fazer uma homenagem.
As homenagens, os louvores, as elegias
não te valeriam de muito.
E sempre te valeram mais os olhares do povo.
As mãos calosas da tua gente,
que são como pedras brutas tiradas
de todas as minas do mundo,
de todos os calabouços terrestres
de todos os subterrâneos úmidos e escuros
do planeta.

Sempre te valeram mais
as portas abertas daqueles que te acolheram
como um a mais em suas famílias.
dividindo os seus cotidianos de luta por dignidade
por um sonho ou pelo prato da próxima refeição.

Por isso não venho te reverenciar
Jamais te colocaste em um altar!
Tua poesia foi escrita em papéis de enrolar pão
Em jornais escritos sob a artilharia do inimigo
(eternos inimigos da tua poesia libertária
da tua poesia humana. Igualitária)
Tua poesia foi lida nas trincheiras. No front.
E falava de paz
Tua poesia alimentou muitas utopias
em tua frágil Espanha.
em teu traído Chile
Foi a arma indelével dos que enfrentaram tanques e canhões
Guernica ardia sob os aviões de Hitler.
Santiago ardia sobre os canhões entreguistas.
A democracia do mundo ardia sob as hostes de Franco.
Mas tua poesia ardia também.
Estrela del Sur.
De los mares del Sur.
Tua poesia ardia aquecendo os corações de cada Quixote.
Fosse ele um Lorca, um Víctor Jara
ou um soldado desconhecido.
Não foi por acaso que um livro teu
estava nas mãos de um cristo latino-americano
que encontrou a sua cruz nas selvas bolivianas.
Foste a poesia operária de um século.
E a poesia de amor.
E a poesia de sol.
E a poesia de pedra.
E a poesia de mar.
(La tierra se llamó Juan).
De um século que sonhou que o homem não mais seria
o predador do homem.
Um século que sonhou que a luz chegaria abrindo as janelas
de todos os porões do mundo.

E ainda que tantas vezes massacrada, destroçada, metralhada,
a tua poesia se levantou, como as flores de cada primavera.
Pois sabemos que podem fuzilar os poetas,
mas a poesia não se cala.
Bebe do próprio sangue e o transforma em vinho e néctar para que outros poetas se embriaguem com a beleza do mundo.

Tu sabes também, Federico, tu bem sabes do que escrevo.
A vida se esvai, a poesia não.
E passam tenentes e capitães
E passam coronéis e generais
Passam que passam
Rumo às barricadas da República espanhola.
E passam tanques e aviões
E passam traidores vestidos de patriotas
Passam que passam
Rumo ao palácio de La Moneda.
E passam marionetes gritando liberdade
E, desde as torres do mundo, esfregam as mãos
Os vendedores de pátrias repetindo para suas almas: liberdade!
Liberdade,sim... mas de mercado.
E passam anos, governos, décadas, revoluções...
Passam que passam
Mas a tua poesia não passa. Perdura.
Morre e renasce em cada sonhador.
A tua poesia que é a irmã daquelas que engendraram Alberti, Machado, Lorca, Guillén, Maiakovski, Benedetti e tantos outros.
A poesia de Cervantes. Do Quixote, mais real que todos nós.
Ou a de Allende, que é o mesmo que dizer Quixote.
Ou a do mais humilde mineiro do teu Chile.
Ou a do mais pobre camponês da mais pobre
região da Terra.

Eis o teu legado, Neruda.
Já não se encantarão meus olhos com os sonhos que perdi.
Mas meus olhos sempre se encantarão com os versos que deixaste.
Teus versos de capitão de navios utópicos.
Como aquele legendário Winnipeg que zarpou rumo ao sul
para salvar tantas vidas ameaçadas pelo fascismo.
Minha canção não é desesperada. Devia ser, mas não é.
Outro século nasceu e os mesmos inimigos do homem seguem nos seus papéis de predadores.
Explorando para acumularem o que não poderão gastar em mil vidas terrestres.
E ainda que se utilizem de novas táticas para conseguirem velhos privilégios, são os mesmos de sempre.
Estão aí.
Mas não posso me desesperar.
Descobri que a tua poesia nos redime.
Nela a integridade de um ser humano vence a eterna batalha entre a luz e a escuridão.
Nela descobri que apenas uma luz (uma só!) pode acabar com um espaço quase infinito de escuridão.
E esse é, talvez, o segredo de cada estrela em nosso firmamento.
O segredo que sempre persegui desde que ainda criança,
comecei a olhar para o céu e questionar...
A me questionar.

Vives, Neruda, vives!
Em teus livros.
Em tuas casas tão plenas de ti.
Em teus poetas seguidores
No sonho de cada camponês la tierra se llama Juan.
Nuestra terra, amigo.
Em cada pedra dessa cordilheira está o idioma do teu Canto General.
Guardado pelos séculos dos séculos.
Até o último homem se petrificar também.

E com ele estará a tua poesia infinita.
E se um dia, em um futuro impensável, ele retornar à vida
O idioma que falará será o nerudiano.
Posto que é o que contém todos os materiais deste planeta.

Vives!
E eu, neste instante que escrevo, ainda vivo aqui,
compreendo que estarei em breve muito menos
vivo do que tu.
Mas que importa? Vives. E isso me reconforta.
Pois em ti viverei também.
Em tua poesia que é um oceano que irriga
o pequeno rio de versos que construo.
Mas que sabe do teu imenso caudal.
E sabe, também por ti, vencer as represas deste mundo.
Por isso eu, vivo aqui, diante do teu imenso rastro de luz,
venho saudar-te, hermano mío.
Levanto a minha copa e celebro à tua poesia...
Ou celebro apenas à poesia!
Que sabemos, cá entre nós, é exatamente o mesmo
que dizer
Neruda.


Martim César















quarta-feira, 2 de março de 2011

Eu escrevo o teu nome em neón, pelas ruas escuras do meu coração. Chico Saratt




O tempo

Dorme o tempo nos retratos
E desperta nos espelhos
Com seus punhais afiados
Desfaz o fio dos novelos

Prende o lume, tece a rede
Nunca nos mostra seu jogo
Nos desertos traz a sede
No calor engendra o fogo

Faz ser vã toda a riqueza
Ninguém engana o destino
Só nos deixa uma certeza
A de que um dia partimos

Perecem nos nossos olhos
Palácios, terras e templos...
O homem faz os relógios
Mas jamais domina o tempo!

Dorme o tempo nos retratos
E desperta nos espelhos
Deixa saudade nos quartos
Apaga o sol em silêncio

Corta o gume, tinge a cor
Bebe da uva o seu vinho
Do amor oferece a flor
Depois nos deixa os espinhos!

Martim César
























terça-feira, 1 de março de 2011

O tempo que corre fora não é o que corre por dentro, pois um se mede por horas, o outro... por sentimentos!





Estamos inaugurando o blog do Caminhos de Si, quem quiser nos seguir vai acompanhar a retomada do projeto rumo à gravação do CD Caminhos de Si - o tempo.




Letras, canções, entrevistas, fotos e acordes vão ser colocados por lá...