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terça-feira, 31 de agosto de 2010

Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem. Bertold Brecht

Sobre as utopias

Onde estará agora a tua fúria jovem
Tua palavra ao vento
Tua esperança nobre
Nesse mundo que havia de vir?

Onde estarão agora as tuas utopias
O teu punho ao alto
Tuas garras de sonho
Enfrentando aos gritos os surdos fuzis?

Que o mundo mudou, disso eu já sei bem...
E que nesses anos todos, mudamos também
Que a guerra foi perdida e que ficamos sós
E que essa não é a vida que sonhamos nós

Mas quem foge à luta não aprende nada
Pois mais vale o passo que a própria chegada
E o maior segredo é não andar sozinho
É ir tirando, juntos, as pedras do caminho

Onde estará a tua alma revolta
Tua raiz de povo
Tua canção liberta
Sonhando nas praças um novo país?

Onde estarão agora os teus ideais
Tua juventude alerta
Semeando nas ruas
O chão desses filhos que hoje estão aqui?

Martim César

segunda-feira, 30 de agosto de 2010


O tempo que corre fora, não é o que corre por dentro; pois um se mede por horas, o outro... por sentimentos.

Por cinco minutos

Por cinco minutos perdeu-se um amor
A semente na flor já não se abrirá
A menina com pressa que chega ao encontro
O menino que pronto também chegará...

Um amor represado em mil horas de espera
Em miradas furtivas em meio aos demais
Que, assim, deixará de saber-se quimera
Nessas almas em guerra que, enfim, terão paz

Que um pro outro nasceram e, assim, viveriam
Que seriam felizes... não há quem duvide!
Até mesmo os anjos desde há muito sabiam
Testemunhas que eram desse amor tão sublime

Mas não é que o cupido nesse dia adormece...
(O destino tem manhas que ninguém sabe ao certo)
Os arcanjos não vêem - mesmo Deus não percebe -
E se fazem distantes os que estiveram tão perto

Ele jamais descobriu o quanto ela esperou
Ela jamais entendeu do seu atraso a razão
E por cinco minutos perdeu-se um amor
Quase os mesmos minutos... desta canção!!!

Martim César

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Algumas pessoas quando ouvem um eco, pensam que deram origem ao som. Ernest Hemingway

De repente sou poeta

De repente sou poeta
A barba por fazer, o cabelo desgrenhado
Uma roupa de anteontem
Óculos de ver o mundo sobre a ponta do nariz.

De repente sou poeta
Sentado numa praça, alheio aos transeuntes
Uma caneta esferográfica
Caderno aberto como um campo de batalha.

De repente sou poeta.

Ah! A poesia...
Não é que eu esqueci algo?!!!
Diacho... onde está a maldita poesia?

Martim César

quinta-feira, 26 de agosto de 2010



Quereme así, piantao, piantao, piantao... abrite los amores que vamos a intentar la mágica locura total de revivir... (Astor Piazolla)

A ti Tereza... a louca.
A ti Tereza... a louca, que eternizou-se em uma imagem que marcou a minha infância.
A ti Tereza... a louca, que timbrou-se nas retinas e nas vidas de todos os que habitaram neste encontro de dois mundos.


Delírio

Deliro! E em meu delírio, feito um doido, eu pressinto
Que hoje me encontro sob as regras de outro plano
Onde só digo a verdade - na verdade - quando minto
Onde o tempo não existe e a vida é um grande engano

Um minotauro corre a esmo em seu infindo labirinto
Temeroso de encontrar, outra vez, um ser humano
Há milênios não compreende seu destino desumano
De viver em um pesadelo e morrer por ser distinto

Fera ou homem? Neste quadro em que eu me pinto
Pouco importa. São tão iguais logo após cair o pano
E se eu sou ambos, toda a dor que imponho e sinto

É duplicada pelo espelho, onde vejo um ser extinto
Quero voltar à realidade, mas é tarde!... o cotidiano
É um vampiro confundido entre sangue e vinho tinto.


Martim César

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O homem terá dado a partida p/ descobrir o sentido da vida qdo começar a plantar árvores sob as quais sabe muito bem q jamais se sentará.E.Trueblood

Marcas indeléveis

O vaga-lume que se apaga ou se incendeia
Revela o espelho onde Deus esconde a face
Do invisível surge o instante que permeia
Entre a vida do que morre e do que nasce

A aranha tece, horas a fio, a sua teia
Como se o tempo em seu tecer se revelasse
Quem vai girar a ampulheta quando a areia
Dos nossos dias, por extinta, já não passe?

Talvez fiar-se no lento andar da tartaruga
Que cruza a vida sem ter pressa... vez por vez,
Valha bem mais do que empenhar-se nessa fuga...

Que busca o homem em sua estranha insensatez?
Correr jamais evitará o avançar de cada ruga...
Eis o destino imposto a nós por quem nos fez!

Martim Cesar

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Se o cérebro humano fosse tão simples que o entendêssemos, seríamos tão simples que não o entenderíamos!

O mapa dentro do mapa

Saberá o verme que habita dentro de nós
que o seu universo é um ser humano?
Acaso não seremos um verme habitando
no interior de outro ser?
Acaso esse outro ser que nos contém
não habitará o interior de mais outro ser?
Acaso esse ser
(que contém esse ser que nos contém)
não será, por sua vez, também,
apenas um verme?


Martim César

segunda-feira, 23 de agosto de 2010


Todas as minhas decisões tiveram uma certa lógica: foram invariavelmente equivocadas!

Uma menina sobre o penhasco

Uma menina sobre o penhasco
Está prestes a dar o seu último passo...

O seu vestido esvoaça ao mais leve soprar
De uma brisa noturna...

Uma lua imensa observa, ao fundo
Parada no céu, iluminando a cena.

O murmúrio das ondas quebrando-se nas pedras
Parece um cantar de sereia, ao longe, chamando...

Uma menina sobre o penhasco
Está prestes a dar o seu último passo...

A ilusão inventa asas que a realidade não possui.
O tempo detém seu caminho. O vento já nem respira.

Nenhuma beleza pode ser tão trágica!
Nenhuma tragédia pode ser tão bela!

De repente, o ato final... a rebeldia e a inocência
Desafiam a vida e se misturam à escuridão da noite.

O tempo volta a correr. O vento respira, outra vez.
A lua se afasta, lentamente. O penhasco está vazio...

Martim César

terça-feira, 17 de agosto de 2010


O homem faz os relógios, mas jamais domina o tempo.

Os dois extremos de um laço

Um menino e um velho se encontram
Em alguma praça do mundo
Passado frente ao futuro
Em um breve e eterno abraço
A vida detém seu passo
Para vê-los, com ternura
Pois sabe... neles se juntam
Os dois extremos de um laço

Devagar cai uma lágrima
Na murcha face do velho
E é todo um mar de recuerdos
Brotando desde sua infância
Como esquecer a distância
Que hoje pesa em seus ombros
Se para tantos escombros
A alma já não lhe alcança?

O menino volta aos brinquedos
Sem entender que esse encontro
Jamais se dará de novo
Pois não há regresso no tempo...
Talvez quando fique velho
Um outro menino o abraçe
Como se a vida brincasse
De ver-se inteira no espelho!


Martim César

Para que levar a vida tão a sério, se a vida é uma alucinante aventura da qual jamais sairemos vivos. Bob Marley

De uma ave ferida

Um dia eu tive a ilusão
Que o mundo inteiro tinha as cores
Das flores que eu via da minha janela
Mas, além do meu portão
O tempo logo disse não
Àquele sonho de uma eterna primavera

E, de repente, eu me vi, homem, a correr
Buscando, assim, achar a paz
Sem entender que é sempre em nós que ela se faz

E conheci a escuridão
Dos que não acham seu lugar
Dos que não querem ver além do seu olhar

Mas descobri que havia tempo de mudar meus rumos
E lutar por mim
E crer que o mundo pode ser igual ao meu jardim...

A vida nos pede bem mais!

Hoje eu não quero viver por viver
E sentir-me feliz por não ver
Eu sei que a esperança é uma ave ferida
À espera de um dia voar
Não basta sonhar, não basta só estar
É hora de ser e lutar
E, enfim, voar...
E, enfim, voar...
E, enfim, voar...


Martim César

(Música cantada pelo Paulo Timm (autor da melodia) no aniversário de 9 anos da Radiocom Pelotas
Programa- Cantos de Luta e Esperança: minha homenagem a esse verdadeiro veículo de difusão das nossas asas e raízes)

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A pena é mais forte que a espada. Voltaire

A batalha

Todos que estavam no bar – e não eram poucos – foram surpreendidos pela entrada repentina dos policiais. Parecia enxame de abelha invadindo um apartamento. Ninguém sabia o que fazer. Ninguém sequer pensava no que fazer. Respirações paradas. Silêncio abrupto. Conversas cortadas ao meio, como se as palavras fossem decepadas por alguma lâmina invisível. Foi quando um dos invasores, talvez para acabar com aquela cena constrangedora, gritou algumas palavras de ordem: “Todos quietos! Ninguém se mexa!” – Como se alguém pudesse se mexer. Até o cérebro, antes semi-adormecido, agora estava alerta, porém congelado, como em uma fotografia. Ato contínuo aquele exército bem armado partiu para a ação. Nós, pobre contingente de boêmios e afins, não tivemos gesto algum de defesa. Covardia? Creio que não... eu diria que não tivemos nem mesmo tempo para ter medo, tal a nossa incompreensão ante o que estava ocorrendo. E vieram os cacetetes. E vieram os empurrões. E vieram os xingamentos. A vexação. ‘Quietos seus delinqüentes!’. ‘Mãos na parede!’. ‘Seus vagabundos!’. E não importava nossos gestos de resignação (pois alguns de nós, depois do primeiro susto, fizemos cara de quem sabia que tudo passaria e que ainda riríamos daquela cena. Afinal, não há boêmio que não seja um filósofo, embora o inverso possa não ser verdadeiro).
E aquilo foi num crescendo de violência; e cada vez a fúria daqueles bravos e abnegados guerreiros era maior; Safanões, empurrões, impropérios... e já temíamos que a nossa anestesia etílica não fosse suficiente para barrar um mal maior; quando um de nós, talvez num gesto desesperado, disse aquela máxima que todos sabíamos que não deveria ser dita. Não naquele momento. Uma frase como um estopim. Fogo num campo de petróleo. Suicídio. Mas fazer o que? Foi dita. Mal dita.
E nos preparamos para a morte certa. Para o total aniquilamento. Hiroshima no segundo anterior. Armageddon. Sodoma sob a fúria do criador. Pompéia borrada do mapa.
E... no entanto, estou aqui. E essa mão que escreve atesta que o final não foi o esperado. Que o policial menor falou algo ao ouvido do policial maior e esse, depois de um breve raciocinar – coisa que eu achava pouco provável sob aquele capacete de metal – deu alguma ordem fazendo com que o seu exército alexandrino batesse em retirada. Ficaram os feridos gemendo pelos cantos, entre cadeiras quebradas, copos estilhaçados e garrafas ainda denunciando o sucedido.
O que teria dito o nosso temerário salvador? Aquele que quase provocou o suicídio coletivo e nos deu a vitória inesperada nessa improvável e desigual batalha?
Que palavras poderiam ter sido tão fortes ao ponto de derrotarem tão poderosos inimigos?
Perdoem, mas depois de saber a força que elas têm, não posso repeti-las. Seriam um bom final, mas nem de perto surtiriam o efeito aquele da última cena do nosso memorável embate.
Perdoem-me caros leitores. Perdoem-me.

Fim




P. S.

Sei que alguma outra mão escreverá que o final não poderia ter sido esse. Que ao ouvir a frase, o policial menor falou algo ao policial maior e que, a partir daí, não houve mais chance de sobrevivência. Mas ponderem... se não houvesse sobreviventes, então a mão que narraria esse outro final - por certo mais lógico, mas nem por isso real – não esteve presente ao acontecido e, portanto, não seria confiável.
Digo e repito. A história anterior é a verdadeira. E se quiserem duvidar de mim ou não aceitarem meu relato, eu somente escreverei uma frase. Apenas uma (aquela que ouvi de um boêmio, certa feita):

Não me toquem, sou poeta!


Martim César

sexta-feira, 13 de agosto de 2010



Doherty Kieran / Reuters

Se as coisas são inatingíveis...ora!não é motivo para não querê-las.Que tristes os caminhos,se não fora a mágica presença das estrelas! Mario Quintana

Te acordarás de mí

Te acordarás de mí cuando, en la noche,
Un rayo de luna cruce por tu ventana
Y busques en el cielo, entre mil estrellas,
La que te di y que olvidaste una mañana.

Te acordarás de mí todas las veces
En que algún niño se mire en tu mirada
Y tú vislumbres en sus ojos los reflejos
Del amor que en otro tiempo te alumbraba.

Te acordarás de mí aunque no quieras...
Aunque el pasado ya no pase de cenizas,
Aunque la razón sólo recuerde las tristezas
Y el corazón seque en tu pecho las sonrisas.

Te acordarás de mí cuando el silencio
Susurre en tus oídos alguna melodía
Y sientas que una voz dice tu nombre,
Y se te parezca que te llamó la boca mía.

Te acordarás de mí siempre que el mundo
Hiera las alas de tu dulce ingenuidad
Y en tu nostalgia busques por mi mano
Y sólo encuentres junto a tí la soledad.

Te acordarás de mí aunque no quieras...
Aunque el tiempo pase y todo sea lejanía,
Te acordarás... y al recordarme, quizás veas
Que te ofrecí mi amor en cada pobre poesía.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Não quero nunca renunciar à liberdade deliciosa de me enganar. Ernesto Guevara de la Serna

Um degrau antes do infinito

Apenas a um degrau para o infinito
A um segundo tão só da eternidade
Neruda disse ao povo:’Certo, eu fico
Não é hora de descanso ou de vaidade
Ainda que viver, enfim, seja um delito
E custa, meu irmão, ter tanta idade!’

E se não disse, meu amor, fica por dito
Qual o poeta que um dia não mentiu?
Mesmo Bukowsky, o maldito dos malditos
Estando triste, só por pirraça nos sorriu
E entre álcool e cigarro, em seus escritos
Pintou o deserto e inventou seu próprio rio.

É um andarilho de estrelas quem escreve
Um semeador de manhãs que sempre insiste
Mesmo quando por sonhar treme de febre
E esconde em um sorriso que está triste
Mas total... o dom é eterno, a vida é breve
E sem os moinhos os Quixotes não existem.

Apenas a um degrau da eternidade
Quando o barqueiro já estendia a sua mão
Pessoa disse ao mundo que a verdade
‘É que viver não é preciso, meu irmão
E um verso vale mais que a humanidade
Quando a sereia nos entoa uma canção!’

Martim César

quarta-feira, 11 de agosto de 2010


Candido Portinari

Uno vuelve siempre a los viejos sitios en que amó la vida, y entonces comprende como están de ausentes las cosas queridas. Cesar Isella

O relógio

Naqueles dias o tique-taque parecia soar lento
Chegava mesmo a parecer que não soava
Mas era eu que, alheio a tudo, solto ao vento
Não percebia que o relógio não parava

Jamais parou, sequer um dia, aquele invento
No interminável passar do tempo, ele passava
Sem que eu pudesse lhe roubar um só momento
Ano após ano, a minha infância ele roubava

Mudei assim, por obra e força do seu passo
E vi-me adulto, sério e fraco, de repente
Sem notar nele o mais leve descompasso

E segue sempre em minha vida, indiferente
A obrigar-me a conviver com o meu fracasso
Mudei assim...
..........................como evitar quando se é gente?

Martim César

'Nos perdemos por el mundo, nos volvemos a encontrar'. Atahualpa Yupanqui

Visitem:

http://eniltonamericasgrill.blogspot.com/

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Obrigado a todos que fazem a diferença: vocês sabem quem são. Johnny Cash

Balada para Johnny Cash

Eu tenho uma balada
Para Johnny Cash…
E já sei que é muito tarde
Porque a vida é como um flash
Mas, Johnny, tu bem sabes
Que o tempo pouco importa...
E ninguém sabe o que haverá
Nos esperando além da porta

Eu tenho uma balada
Para Johnny Cash…

E também um grande amigo
Que ao ouvir tua canção
Me diz que ‘ser feliz
É dar moeda ao coração
E que Atahualpa e Bob Dylan
Estão comigo, meu irmão
Pois tive um norte aí no Sul
E tenho o Sul no Maranhão

Eu tenho uma balada
Para Johnny Cash…

Mas, Johnny, tu bem sabes
Que a canção não tem país
E que a América é bem maior
Que o Tio Sam e o Tenessee
De Ushuaia ao Maranhão
De Jaguarão a São Luís
E que um instante vale a vida
Se nesse instante tu és feliz

Eu tenho uma balada
Para Johnny Cash
Pois um instante vale a vida
E por que não... Enilton Grill?

Martim César

segunda-feira, 9 de agosto de 2010


Juan Manuel Blanes

Quem segue vários caminhos, não segue caminho algum!

Torquato Flores, presente!

Que eu ‘tava’ morto, disseram
E eu tinha que acreditar
Pois me enterrar já quiseram
Sem flor, nem vela ou altar.

Espalharam aos quatro ventos
Torquato Flores já era!
E brindaram meu passamento
Como se eu fosse tapera...

Que um dia me vou é certo!
Mas contrariado, asseguro
Pra quê campear o escuro
Com tantas luzes por perto?

Por isso digo e repito:
Não me levem de vencida!
Nem sempre ganha a corrida
Quem pousa de favorito.

Cantaram morta a carreira
Antes mesmo da largada
Mas quando sentar a poeira
Verão quem cobra a parada.

Dobrem a aposta, senhores!
Que não se entrega um valente
Em guerras, coplas e amores
Eu grito ao pago: presente!

Em guerras, coplas e amores...
Torquato Flores, presente!

Martim César

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Tendo a ser, mas pouco: resta ainda um tempo que me espera e reclama.Thiago de Melo

Sou parte de ti,
És parte de mim.
Mas como assim?
Sou parte
De uma parte
Que é minha parte, enfim?

Martim César

E eu te busco aqui dentro do copo, como um louco vagabundo... só eu sei como te amar! Basílio Conceição

Torquato, espinhos e flores

Apeei defronte ao rancho
Com baldas de um general
Mas meu voar de carancho
Mais parecia um cardeal.

Que fazer se uma pinguancha
Com seu olhar de matreira
Me deu de luz nessa cancha
Onde eu ‘roubava’ carreiras?

Como é estranho o ritual
De encambichar-se um paisano...
‘Se debocha do próprio mal
E feliz se perde de mano!’

Quem visse Torquato Flores
Diria ser um feitiço
Perdido assim por amores
Quem sempre zombara disso.

Pedi a mão da morena
E um tanto mais, por sinal...
Cambiei bolichos e penas
Por rancho, flor e buçal!

Martim César

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Molina Campos


Manuel Flores va a morir, eso es moneda corriente; morir es una costumbre que sabe tener la gente. Jorge Luís Borges

Dois tauras num só rodeio

Deu ‘Buenas’ Torquato Flores
E se anunciou no fandango
Pronto se ergueram rumores
E em meio calou-se um tango

Alguns rezaram pro santo
Prevendo a dura parada
Pois que oitavado num canto
Sorriu Florentino Almada

Armou-se o tempo mais feio
No encontro de dois maulas
Dois touros num só rodeio
Dois tigres numa só jaula

Tendo os palas por escudo
Bem amarrados no braço
Olho no olho em estudo
Como antevendo o laçaço

Um acerta!...outro não erra!
Entre as esquivas e os talhos
Se enfrentando numa guerra
Feito dois reis de um baralho

Como estar assim tão perto
Dois galos de bom puaço?
Se fosse no campo aberto
Já seria pouco espaço

Foi-se noite e madrugada
E se veio a barra do dia
O Torquato ‘como se nada’
E o Almada ainda sorria!

Nenhum ganhou a contenda
Findaram os dois no cansaço
Restou pra sempre a legenda
E dois palas... em pedaços!!!


Martim César

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Canta a tua aldeia e serás universal. Leon Tolstoi

Peço 'permiso' para apresentar um personagem da minha infância,
e, talvez, da infância de muita gente.
Viveu pelos bolichos de campanha, pelas pulperias e carreiras,
nestas voltas da fronteira entre Brasil e o Uruguai.
Nos corredores e estradas que vem de oeste a leste desde o Passo do Centurión até
o arroio Telho e de sul a norte desde a Quebrada de los Cuervos até a Estação Basílio.
Teve muitos nomes, ainda que todos o conhecessem somente por Paisano.

Hoje poucos sabem dele...
Mas não preciso que me digam seu destino.
Se morreu num duelo de adaga ou em uma crescente
dessas em que o Jaguarão, vez por outra, sobe as barrancas...
Se finalmente encambichou-se e resolveu erguer um rancho beira de estrada...
Se hoje sua aparência já nem recorde o muito que já foi...
Já não me importa.
Os caminhos da memória não tem limites nem alambrados,
Por isso, nestas coplas, deixo que outra vez
Aquele tempo regresse a mim.





Torquato Flores, senhores!

Meu nome é Torquato Flores
Guitarra buena e bom pingo
Fui feito para os amores
E pras pencas de domingo.

Sou domador por ofício
E guitarreiro por gosto
Tenho a milonga por vício
Por balda o riso no rosto.

Me 'gusta' um baile de rancho
E um truco na madrugada
Que o gado nasceu pro campo
Mas eu nasci para a estrada.

Meu nome é Torquato Flores
Não tenho marca ou sinal
Pois não aceito, senhores
Tampouco rédea ou buçal.

Quando a tormenta se enfeia
Não rezo pra qualquer santo
Não sou de campear peleia
Mas na adaga me garanto

Destapo alma e guitarra
Largo coplas de improviso
Não sou mui manso pras farras
Só pro amor, se for preciso!!!


Martim César

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Salvador Dalí


Não tenha pressa, mas não perca tempo...José Saramago

Lição de Astronomia II

Como não acreditar em destino?

Se a superfície da Terra tem aproximadamente
40.000 km de extensão,
Se há muito que ultrapassamos os 6 bilhões de seres humanos
sobre o planeta,
Se existe vida humana há centenas de milhares de anos
(e logicamente poderíamos pertencer a qualquer geração
- anterior ou posterior -)

Então quais seriam as probabilidades de estarmos justamente tu e eu,
- dois que se completam em um só –
Nesse mesmo ínfimo lugar do espaço
e nessa mesma escala de tempo?

Calculem grandes matemáticos... Calculem!
e eu vos direi:
Zero! Ou quase isso!
Quase!!!

Pois cá estamos nós zombando das probabilidades e, é claro,
- meu amor -
celebrando a vida!

!Salud!


Martim César

Tienes el poder para ser libre en este mismo momento, el poder está siempre en el presente porque toda la vida está en cada instante. Facundo Cabral

Lição de astronomia


Se a luz do sol leva apenas oito minutos para chegar onde estou,
Se a luz da estrela mais próxima leva pouco mais
de quatro anos para chegar onde estou...
Pergunto eu:
- Por que, raios, a luz do teu olhar levou tanto tempo
para encontrar a luz do meu olhar?



Martim César

Minha forma de rir disto tudo é através da verdade. É a brincadeira mais divertida. Woody Allen

Notícia

Meu amigo Jorge Passos já sabia
(Muito embora eu não lhe desse ouvidos):
Os cavalos são perigosos!
Ninguém escutou e agora é tarde demais.
Não foi Inês que morreu e, sim, o Super-Homem.
Sim... o homem de aço... Infalível!Imbatível! Indestrutível! Inconcebível!
(E todas essas palavras que sempre aparecem juntas no dicionário).
O Super-Homem morreu!
Não por uma queda de um vôo de alturas estratosféricas.
Não por causa dos poderes maléficos da kryptonita.
Não pela vingança de algum vilão intergaláctico.
Não! Nada disso! Foi assim de simples...
(Desta vez os grandiloqüentes estúdios de Hollywood se enganaram).
Tudo aconteceu por um reles tombo de um cavalo.
Por mais incrível que isso possa parecer...
O Super-Homem morreu!
Ninguém mais irá parar a rotação da terra.
Estaremos condenados para sempre à morte
e ao envelhecimento.
E agora eu – pobre mortal terceiro-mundista, brasileiro, uruguaio, ?qué sé yo? - pergunto:
- Quem, meus companheiros, doravante,
irá zelar pela sempre tão ameaçada
sobrevivência da espécie humana?
- Quem? Pergunto quem?

O meu único consolo é que o Chapolín... o Chapolín não tem cavalo!!!

Martim César

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Somos nossa memória, somos esse quimérico museu de formas inconstantes, esse amontoado de espelhos rompidos. Jorge Luís Borges

Primeiro exílio

Lembro que era inverno e que uma chuva fina e muito fria caiu por dias e dias.
A casa nos haviam oferecido para que aproveitássemos nosso exílio de amantes recém libertados.
Lembro que havia muito calor dentro de nós. Muito. Pois nossos abraços e carícias nos aqueciam.
(Foi quando, creio, o perfume da tua pele se instalou para sempre nas minhas narinas. Desde então
eu posso reconhecê-lo, mesmo sem te ver).
Lembro que aquele povoado estava, então, quase totalmente desabitado. Tão diferente das épocas de verão. Porém, que importava? Para nós, tudo estava repleto. O mundo nos pertencia.
Lembro que ainda não tínhamos noção de tempo. O futuro não existia. Tudo era como se fosse naquele momento, para sempre.
Lembro do teu sorriso. Mais do que nos retratos, ele ficou dentro de mim. Em alguma gaveta dentro
do meu corpo. (Enquanto eu viver, ele ali estará).
Lembro que mesmo no silêncio havia música. Suave. Como nesses filmes em preto e branco que passam nas madrugadas.
Lembro de ti. A minha memória sempre foi pouca. Mas lembro de ti.
No entanto, não sei se por ser diferente do que sou agora, ou se por não haver espelhos na casa, eu - por mais estranho que possa parecer -
não lembro de mim.
Simplesmente, não lembro de mim.


Martim César