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sexta-feira, 30 de julho de 2010

Suele ser violenta y tierna, no habla de uniones eternas, mas se entrega cual si hubiera solo un día para amar... Pablo Milanes

Sapatos

Se os meus sapatos saírem por aí....
plat, plat, plat
A te buscar em vão....

Te atém aos fatos...
- repare não! -

É que quando partiste
- Que desilusão! -
Eu... fiquei sem céu...
Eles - sem chãaaaooooo
............................................o
...............................................o
.................................................o
...................................................o
.....................................................o
......................................................o
.......................................................o
........................................................o
.........................................................o
.........................................................o
.........................................................o
.........................................................o
.........................................................o
.........................................................o
.........................................................o
.........................................................o
.........................................................o
.........................................................o
.........................................................o
Martim César

quinta-feira, 29 de julho de 2010

A vida é em parte o que nós fazemos dela, e em parte o que é feito pelos amigos que nós escolhemos.Tennessee Williams

Canção para o balanço da lua

Há uma menina deitada na rede da lua...
No fio de barbante da lua crescente.

E se embala e se embala de um jeito tão inocente
Que faz do céu uma praça, da Via Láctea uma rua.

A menina, então, senta, toma impulso e balança
E, por pirraça, faz graça... é tão só uma criança!

Para trás encolhida!... Esticada para diante!...
Cada vez vai mais alto, cada vez mais à frente.

Há uma menina sentada na lua crescente
Na rede impossível de um fio de barbante.

Mas onde se agarra nesse quadro incoerente?
Nesse fio que se embala cada vez mais brilhante?

A menina me abana, toma impulso e balança
E, por pirraça, faz graça... é tão só uma criança!

Para trás encolhida!... Esticada para diante!...
Cada vez vai mais alto, cada vez mais à frente.

E eu penso que é um sonho que embala essa cena
Pois como pode um balanço agarrar-se no céu?

Ou será um Deus-artista que usando da pena
Fez da lua um balanço e do infinito um papel?

A menina então, grita, toma impulso e balança
E, por pirraça, faz graça... é tão só uma criança!

Para trás encolhida!... Esticada para diante!...
Cada vez vai mais alto, cada vez mais à frente.

E ao vê-la descubro... em um olhar, de repente!
Por que o céu é infinito, por que a lua é radiante.

E como crescer é injusto nessa vida da gente,
Quando já fomos crianças a viver cada instante.

A menina, então sonha, toma impulso e balança
E, por pirraça, faz graça... é tão só uma criança!

Para trás encolhida!... Esticada para diante!...
Cada vez vai mais alto, cada vez mais à frente.

E se espicha, e recolhe em sua mão uma estrela
E ao pegá-la sussurra: ‘mal-me-quer... bem-me-quer’

E, enfim, eu compreendo que estou vendo, ao vê-la
A menina que acena... no olhar de cada mulher!

Martim César

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Cinco minutos bastan para soñar toda una vida, así de relativo es el tiempo. Mario Benedetti

O primeiro poema

O menino apanha a pena
Primeira vez frente ao papel
E o seu limite é apenas
O sonho... do chão ao céu

Em cada frase ele acalma
Algum fantasma interior
Não é a mente. É a alma
Que dá ao verso o valor

De onde virá o seu dom
(a estranha e antiga magia)
Fúria de luz e de som
Que faz da tinta poesia?

Vai ser Drummond ou Pessoa
Vai ser Neruda ou Quintana
Esse menino que voa
Além da fronteira humana?

Depois... ao findar a poesia
Em êxtase, olha sua mão
Igual a Deus - quem diria?
Tem o poder da criação

Mas já uma idéia cruza
E em sua mente se grava
Há que ter pressa! - a musa
Ditou-lhe outra palavra...

Martim César

terça-feira, 27 de julho de 2010

Minha alucinação é suportar o dia-a-dia, e o meu delírio é a experiência com coisas reais.Belchior

Revelia

Ao papel em branco, contraponho o meu desafio.
Mas não se fiem demais nas minhas palavras.
Ou melhor, fiem-se nelas, mas não em mim.
Não queiram atrelá-las ao que eu sinto.
Não digam que me entendem por que leram
Algo que eu, algum dia, escrevi.
Não levantem comparações entre o criador e a criatura.
Como se o filho tivesse que seguir os mesmos passos do pai.
Digo que isso não é verdade. Não necessariamente verdade.
Os filhos criam asas e depois descobrem o seu próprio céu.
As palavras também possuem asas. E voam.
Para o lugar que bem entenderem.
Posso estar triste e as palavras saírem festejando,
como saltimbancos, pelas ruas de um poema.
Posso estar alegre e elas, talvez por pirraça,
colocarem uma lágrima no meu texto.
À minha inteira revelia.
As palavras são rebeldes. Prisioneiras que estão dos cárceres da gramática, quando se libertam, saem por aí, feito doidas, levantando suas bandeiras.
As palavras têm vida própria, muito embora pareçam mortas nos dicionários.
Elas, por exemplo, podem dizer que tudo o que escrevi é uma mentira. Inclusive que é mentira o que eu acabo de escrever. E eu terei que aceitar.
Porque as palavras possuem asas.
Não me acreditam?
Sim, eu sei. Eu pedi que não se fiassem em mim.
Porém, ainda assim, repito: as palavras possuem asas.
Procurem nos dicionários. Qualquer um.
Por certo lá estará escrito em algum lugar: “asas”.
E não se admirem se, ao abrir esses livros,
As palavras... feito pássaros, naturalmente
saírem voando.

Martim César

segunda-feira, 26 de julho de 2010

A vida é uma sucessão de sucessos e insucessos que se sucedem sucessivamente...

Cinema Paradiso

Às vezes - e somente às vezes –
Eu te recordo (e é como se te recordasse
sempre),
Como se fôssemos personagens
Daquele já tão velho e inesquecível
Cinema Paradiso.

Às vezes – e somente às vezes –
Sonho contigo (e é como se te sonhasse
sempre).
Ao som de alguma música feita de silêncio.

Nenhum tempo de ausência, então,
há entre nós.
Nenhuma distância...

Às vezes – e somente às vezes –
Como em um quadro registrado em sépia,
Tu e eu somos para sempre
um só.



Martim César

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Os frutos dão conta do valor da árvore. (p/ Alan Otto - 23/07/2010)

O olhar da madrugada

Um breve dia de sol é a vida
Ou de chuva, dentro da casa da infância
Um segundo entre a chegada e a partida
Um relâmpago. Pouco ou nada de distância...

Ainda ontem tudo estava por ser feito
Havia crianças se escondendo pelo pátio
Não tinha nuvens de ausência esse meu jeito
E a saudade não morava nos retratos...

Uma voz que o tempo não apaga dos ouvidos
- Por mais ruídos e urgências tenha o mundo -
E que lembramos feito quem busca um abrigo
Entre seus braços, ao fugir de um quarto escuro.

Alguém que nos tapava ao chegar a madrugada
- Com esse olhar, que mais que a roupa, nos aquece -
E que volta às vezes nos beijando em uma lágrima
Como a dizer-nos... por que é que a gente cresce?

Um pequeno facho de luz é a vida
Chama frágil ao sabor dos temporais
Uma história - em lembranças, resumida -
Universo que se foi... sem ir jamais!


Martim César

Não sou eu. São as músicas. Eu sou só o carteiro. Eu entrego as músicas.Bob Dylan

Os poetas estão mortos

Reunião de cúpula dos senhores da guerra.

O generalíssimo fala:
“ - Finalmente os poetas estão mortos.
Não restou nenhum habitante desse reino de ilusões.
Podemos seguir para a segunda fase da nossa conquista.
Reitero: - Os poetas estão mortos... todos eles.”

Porém, no final da mesa (aquelas mesas gigantescas) alguém grita:
“- Mas e a poesia, como haveremos de matar a poesia?”

O generalíssimo olha com furor para o seu inquiridor
(um reles general de divisão, recém promovido)

E contesta:
“- Se os poetas estão mortos, logicamente a poesia também está morta.

- Mas senhor... eu ainda recordo várias poesias... isso não quer dizer que a poesia não morreu?

- Já trataremos disso.”

Olha para os outros comandantes. Alguns graduados com medalhas adornando suas fardas militares.
“- Fuzilem-no”.

Sob protestos o infeliz general é carregado, vendado e fuzilado.

“Agora sim a poesia está morta.”

Ninguém se atreve a contestar.

Contudo, misteriosamente, nos dias que se seguem, todos os presentes àquela reunião de cúpula começam a se suicidar.


O generalíssimo não se suicida, mas enlouquece. Também ele acaba tentando o ato extremo, mas lhe falta a coragem necessária.
Assim perde o mando e é, por fim, internado em um manicômio.

Dizem os cronistas que ele anda hoje em dia pelos corredores a recitar incansavelmente alguns versos de Neruda.

Martim César

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Soy feliz... soy un hombre feliz y quiero que me perdonen por este día los muertos de mi felicidad. Sílvio Rodriguez

Disfarce

Morre a poesia...
Como haveria de sobreviver?
Em meio a carimbos e notas de expediente,
Calculadoras e prendedores de papel.
Envolta em artigos cotidianos,
Hierárquicas convenções.

Morre a poesia...
Como haveria de sobreviver?
Consumida por horários e legislações,
Normas e registros burocráticos.
Asfixiada por ruídos de impressão,
Estalos de máquinas copiadoras.

Morre a poesia...
Em uma folha amassada
Suicidada na lixeira do escritório.

Mas a poesia...
- a dissimulada e eterna poesia –
De uma gaveta entreaberta,
Desde um livro do Quintana,
Pisca o olho e me sorri.
Depois pede que guarde seu segredo,
E faz que morre novamente.

Martim César

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo... Fernando Pessoa

Conteúdo ou continente

Sou parte de ti... és parte de mim!
Mas não entendo... como assim?
Sou parte de uma parte
que é minha parte, enfim?







Martim César

terça-feira, 20 de julho de 2010

De vez en cuando la vida toma conmigo café y está tan bonita que da gusto verla,se suelta el pelo y me invita a salir con ella a escena. Joan M.Serrat

Par de doidos

Vida minha, vem comigo
Hoje sou eu que convido
A dançarmos esta valsa
Ambos livres pelo vento
Doido par em movimento
Sonhos na rua descalça

Quem nos vê nem desconfia
Que o bailar é a fantasia
De um amor no seu final
Vamos juntos nessa festa
Hoje é tudo o que nos resta
O amanhã... quem saberá?

Vem... me leva pelo braço
Meu suor no teu cansaço
Antes que o dia amanheça
Este é o tempo de nós dois
Pouco importa se depois
Tudo, enfim, desapareça

Quanto tempo tenho ainda?
Vem... a noite está tão linda
Escuta a força deste verso:
‘ Vamos celebrar o instante
Que o abraço dos amantes
Justifica o universo!!! ’

E quando o sol pela vidraça
Desfizer a nossa farsa
E virmos que chegou a hora
Vida, irás por outro par
E eu não mais irei sonhar
É minha deixa de ir embora...

Martim César

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Cuando mi voz calle con la muerte, mi corazón te seguirá hablando.R.Tagore

Travessia

Eu sei que tu virás, numa noite qualquer
Mudar todos meus rumos, minhas certezas vãs
E eu estarei desperto, sonhando uma mulher
Que tenha em sua pele o aroma das manhãs

E me dirás que sigo igual, embora tão distinto
Fazendo da ilusão o meu caminho mais real
Por fora mais cansado, por dentro mais instinto
Ainda, ingenuamente, buscando o amor total

Eu sei que tu virás... ( pois um dia tu virias! )
Caronte em sua barca a cumprir o seu destino
E eu – pobre poeta – ainda envolto em fantasias

Descobrirei teu rosto, depois rirei, em desatino...
Tão velho me esperavas, indefeso me querias
E encontras mais um louco com alma de menino!!!


Martim César

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Salvador Dalí



Las malas compañías... son las mejores! Joaquín Sabina

Baixo-retrato

Com uma grande tendência ao fracasso
E ao suicídio -desde que seja por amor ! -
Sempre enredado no seu próprio passo
Por não ter memória, um escrevinhador

Esguio, melhor de pé do que de braço
No esporte quase um grande jogador
Pena o quase - um maldito descompasso
E o país perde outro moleque promissor!

Apaixonado pela noite e o submundo
E pelos tortos que habitam esse chão
Se pudesse de profissão um vagabundo...

Um Bocage ou qualquer doido de plantão
Mesa em mesa resolvendo a dor do mundo
Ao módico preço
.................................do seu próprio coração.

Martim César

É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar... na verdade não há. Renato Russo

Distante

Aqui me escondo entre as palavras
como um Louva-a-Deus se esconde
entre as folhagens do jardim,

Aqui me refugio entre os meus livros
como uma criança se protegendo
nos braços dos seus pais,

Aqui me amarro na pedra de algum cais
para não naufragar nas águas revoltas
desse mar desconhecido,

Aqui eu morro a cada noite solitária
e ressuscito a cada vez que nasce o dia
com tua imagem me queimando mais que o sol.

Aqui, distante de ti, estou só...
cercado da mais completa solidão.

Aqui, distante de ti, sinto-me vazio...
repleto de todo o espaço do universo.

Aqui, distante de ti, completamente vazio e só...

Sou como um barco ancorado, estranhamente,
em meio às infinitas areias de um deserto.

Martim César

quinta-feira, 15 de julho de 2010


Foto: Elis Vasconcellos

Sou o dono do meu destino... sou o capitão da minha alma! Nelson Mandela

Quase uma história de amor

A carta que eu não escrevi,
A lágrima que eu não chorei,
O encontro que não tivemos,
O beijo que eu não te dei,
A vida que não vivemos...
Fazem parte desta história de amor
Que nunca aconteceu.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Há coisas que têm valor, outras que só tem preço!

Um intruso no porão

Abro a porta... a escuridão se esconde desconfiada
Não me reconhece ou acaso só recorde vagamente
Sou um intruso, depois de tanto tempo ausente
E, contudo, sou o mesmo, embora a face tão mudada

Então desço as escadas do passado lentamente
(Parte da minha vida se desperta assombrada)
Pareço algum fantasma que retorna à sua morada
Depois de andar por longa noite em meio à gente

Pareço algum fantasma e acaso sou, mas estou vivo!
Embora em mim haja um sem fim de coisas mortas
Que pesam tanto e das quais nem lembro seus motivos...

Estou vivo ou estou morto? Afinal, o que importa?
Sou personagem de uma história que eu li num velho livro
Melhor deixar assim... subir os meus degraus,
............................................................................fechar a porta!

Martim César

terça-feira, 13 de julho de 2010

Lo que dentra a la cabeza, de la cabeza se va. Lo que dentra al corazón, se queda y no se va más! Atahualpa Yupanqui

Celebração aos poetas loucos

Dou vivas a essa rebeldia que as folhas vazias
não podem domar
A esse vôo incerto a um lugar tão perto
de nenhum lugar
À incontrolável febre daquele que escreve
poemas ao vento
E - do inferno ao céu - derrama no papel
rios de sentimento

Celebro os doidos da arte e o seu mundo à parte
sem regras cabais
Que navegam sozinhos por um mar de vinho
sem buscar um cais
Que, mesmo sem vê-las, acendem estrelas
nas almas feridas
E vivem sem medo, que é o maior segredo
dessa nossa vida

Dou graças aos poetas loucos que não fazem pouco
das palavras vãs
Que rompem as grades para a claridade
do sol das manhãs
Que cultuam versos nesse universo
do céu interior
Que vivem de sonhos e, às vezes, tristonhos
se matam de amor!!!!


Martim César

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Comigo a anatomia ficou louca, sou todo coração! Maiakóvski

Pandora

Uma silhueta de mulher, bela e fugaz
Que a pupila abrange, dilata e acostuma
Tão clara no olhar, etérea como a bruma
Que só existe sem tocar e ao tocar-se se desfaz

Uma silhueta de mulher, tão leve como a pluma
Que de todos os desejos, me desperta o mais voraz
Inflamando os meus sentidos, tão serena como audaz
E que depois por livre, se desmancha como a espuma

Uma mulher igual a todas, qual se todas fossem uma
Com sua caixa de Pandora frente a todos os mortais
Aromada nas manhãs (que à luz da aurora se perfuma)

Uma mulher à flor da pele, com seus gestos sensuais
Uma mulher igual a todas - todas elas e nenhuma -
Me provando que hoje é sempre e amanhã
......................................................................... é nunca mais!


Martim César

sábado, 10 de julho de 2010

Os pássaros de mesma plumagem procuram voar juntos.

Procura-se

Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como um amor adolescente,
Ingênuo. Descobrindo e descobrindo-se.
Como o primeiro olhar de cumplicidade
E o primeiro beijo. E a primeira lágrima de dor.
(E não existe outro amor mais delirante).

Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia contra a opressão,
Poesia como um rio sem represas,
Poesia libertária, abrindo grades,
Poesia devolvendo o céu aos pássaros,
Poesia sem preço, nem limites,
Poesia como lenitivo, como bálsamo,
Poesia contra as feridas deste tempo,
Poesia contra quem nos fere,
Poesia para quem nos fere,
Poesia necessária, poesia imprescindível
Como a água que bebemos.

Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia de Neruda, eterna como as geleiras da sua terra,
Alta como a cordilheira que moldou o seu canto inigualável,
Livre como o condor, senhor dos ares ameríndios.
Poesia com gosto de vinho, poesia cor de sangue,
Poesia como o mar, belo e temível. Temivelmente belo.
Poesia de Drummond, cortante como um punhal,
Feita do ferro das suas minas não tão gerais,
Poesia denunciadora como a Rosa de Hiroshima,
Poesia gritando feito uma menina do Vietnam,
Nua. Queimada de Napalm, gritando...
Ardendo em chamas dentro de nós.

Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como um relâmpago na noite escura,
Como o tímpano adivinhando o trovão
Que ainda não veio, mas virá.
Poesia como uma flor em meio ao charco,
Como as gotas de orvalho sobre a relva,
Como uma carta de amor no bolso de um soldado
Que foi morto por outro soldado que
também foi morto,
Ambos assassinados por alguém que
nunca foi à guerra.
Poesia épica como a música de Serrat
Onde Dom Quixote ainda enfrenta os cataventos,
E García Lorca ainda está vivo,
Zombando dos generais que o fuzilaram.
Como o exemplo de uma mulher por trás das barricadas,
Defendendo a frágil democracia de sua
imensa Espanha
E gritando: No pasarán!... No pasarán!... No pasarán!

Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como um amor adulto, aparando arestas,
Buscando completar um estranho quebra-cabeças
Onde sempre está faltando alguma peça.
(E não existe outro amor mais desafiante).
Poesia como as mãos de Víctor Jara, tocando,
Mutiladas mas ainda ali, tocando
Para todos os opressores deste mundo, tocando
Para os abutres disfarçados de defensores da liberdade,
Pois cada Pinochet é somente um títere,
Perigoso títere de uma ideologia onde o lucro
É o único Deus e a águia é o símbolo do poder.

Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como o espetáculo indescritível das estrelas
Numa noite clara, longe das cidades de neon.
Poesia como as mãos de um escultor
Moldando o barro, forjando o tempo.
Poesia como o sutil traço de um pintor
Transformando a matéria em sentimentos.
Poesia desesperada como um suicídio,
Como a dor das mães-avós da praça de maio,
Lutando contra o silêncio e o esquecimento.

Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como flecha contra mísseis e satélites.
Poesia como o pedaço de céu visto entre as grades
De todos os cárceres do planeta.
Poesia como a ausência das pessoas que perdemos,
Mas que continuarão em nós, enquanto vivermos.
Poesia como um barco regressando.
Poesia incoerente e bela. Incoerentemente bela.
Como o pranto solitário de Carlitos,
Como a ternura inquebrantável de Guevara.
Poesia necessária, poesia imprescindível
Como o ar que respiramos.

Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como o último índio de uma raça,
Exposto aos brancos como um animal exótico.
Poesia como o grito igualitário de Zumbi
Sem entender porque a cor difere os homens.
Poesia como o coração de Chico Mendes
Sangrando sobre o verde da Amazônia.
Poesia como os cem anos de solidão
A que estão condenadas todas as Macondos
Deste hemisfério culpado por ser inocente.

Procura-se a poesia, viva ou morta, procura-se.
Poesia como um amor maduro,
Bebendo a última luz do entardecer.
(E não existe outro amor mais verdadeiro).
Poesia necessária, poesia imprescindível
Como o sol de cada dia.
Poesia como alguém que dá sua vida
Por um ideal, por um amor, por um amigo,
Poesia como alguém que dá sua vida por alguém,
Sem importar-se, que, afinal, está entregando
A sua mais bela e - quem sabe -
Única, necessária e imprescindível poesia.


Martim César

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Amo a liberdade,por isso deixo as coisas que amo livres.Se elas voltarem é porque as conquistei.Se não voltarem é porque nunca as possuí.John Lennon

O mar de Alfonsina

Hoje eu quero o mar de Alfonsina
Um poema em corais ao sul sangrando
Vida em cena que acena e se termina
Mas se eterniza em estrelas naufragando

Uma flor que por amor em vão germina
E que decide - nesse ato - onde e quando
Pois um oceano é toda alma feminina
Um copo cheio a cada gota transbordando

Podes dormir, pois essas algas são lençóis
Deixa que a lâmpada eu a apago mansamente
E se ele chamar eu só direi que não estás...

Se quer te ouvir que ouça o mar dos caracóis
Se quer te ver que veja o mar ao sol poente
Mas se quer te amar, eu só direi: tarde demais!

Mas se quer te amar,amor, direi
................................................que a deixe em paz...
.......................................................a deixe em paz...
..........................................................a deixe em paz!!!


Martim César

Me acerco 2 pasos y ella se aleja 2 pasos.Camino 10 pasos y ella se aleja 10 pasos.Para que sirve la utopia entonces?Para eso:para caminar.E.Galeano

Dois na tarde


Agora, amada minha, viajarás ao meu lado.
Vem! Anda comigo e admira essas paisagens!
Quantos homens e mulheres já cruzaram esses montes,
Esses campos; esses rios, que feito veias, irrigam as lonjuras,
Esses caminhos, que feito rugas, demarcam as distâncias.
Quantas vidas tão iguais às nossas vidas...
Quantos sonhos tão iguais aos nossos sonhos.

Vem! Amada minha...
Que breves somos nós, mas eterno é este instante!
Nós que somos apenas um homem e uma mulher...
Tão somente isso!
Mas também somos todos os homens e todas as mulheres.
Todos. Absolutamente todos.

Vem! Caminhemos nossos olhos bebendo o verde natural.
Vem! Mergulhemos nossas almas em cada lago do caminho.
Aspira esse aroma que emana das folhagens.
Acaricia essa água que escorre sobre os nossos corpos.

Séculos e mais séculos sobre séculos nos trouxeram até aqui.
Vidas e mais vidas gerando novas vidas nos trouxeram até aqui.
Caminhemos, então. Já vês que, agora, já de nada vale o tempo.
Põe teu braço no meu braço. Assim... amada minha. Caminhemos!

Vês, agora, que só existe cada pedra e cada folha,
Cada gota e cada grão, cada pétala de flor,
Cada inseto, cada ave, cada átomo do universo,
Porque existimos nós?
Compreendes que em ti e em mim tudo se resume?
Que somente transcorreu cada segundo,
desde o primeiro instante do primeiro ser,
Porque existimos nós?

Vem! Olha em meus olhos... nós somos a própria criação!
Nada há nada mais perfeito, nada mais lógico, mais divino
Que estarmos - tu e eu - justificando a própria vida.
Toda a ciência está em nós, todas as religiões,
Todas as raças, todos os sentimentos, todos os caminhos.

Percebes, amada minha? Percebes?
Que nesse abraço de dois seres, nesses corpos tão unidos,
Que nesses dois, assim, tão precisamente juntos,
Tudo o que já existiu, tudo o que existe
e tudo o que ainda existirá,
Encontra, finalmente, o seu claro,
transparente,
óbvio
sentido?

Martim César

A noite tem sombras grandes, mas tem também as estrelas.Martin Fierro (J.Hernández)

Cabo da boa esperança

E foi nessa idade
Em que atravessei a Cordilheira dos Andes
(em definitiva o meu Cabo da Boa Esperança!)
Que eu, afinal,
descobri o valor curativo
de um verdadeiro
gesto de carinho...
(um abraço, um beijo, uma palavra de conforto...)

Desde então,
Aqueles a quem realmente prezo
- e que realmente me prezam -
Sabem
que aprendi a ser menos ilha
e a me tornar, com gosto,
a pequena
- mas inseparável -
parte de um
continente!!!



Martim César

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Essas pessoas que aí vão, atravancando meu caminho... elas passarão, eu...passarinho! Mario Quintana

Reencontro

Um poema não é uma palavra que se perde no vento...
Fica registrado nas pedras,
Vive, respira,
Tal como um ser pensante
grita que existe.
E muito embora
Por vezes atirado em um livro qualquer
De uma biblioteca qualquer
Soterrado pela poeira do tempo
Em qualquer canto do mundo...

Quando um leitor comum
Enfim o encontra,
O poema
Limpa a poeira do seu paletó,
Olha as horas no seu relógio de bolso,
Pergunta a data,
E diz, como quem não quer nada:
‘Até que enfim... companheiro
Não sei se sabes...
Mas eu estava justamente à tua espera’.

Martim César

No hay dolor más atroz que ser feliz. Alfredo Zitarrosa

Alavanca de Arquimedes

A poesia é uma flecha por chegar ao seu destino
Um tigre no instante de alcançar a sua presa
Equilibrista sobre a corda, entre a glória e o desatino
Rio de águas revoltas derrubando uma represa

A poesia é o espelho entre um velho e um menino
Essa vela que se acende... essa outra ainda acesa
Uma tarde de verão: sombra fresca e sol a pino
Uma llovizna de inverno acinzentando a natureza

Muito mais que a voz, é essa alma que me pedes
Muito além da escrita, é um algo mais profundo
Balança em que não pesas; régua em que não medes

Fundo de poço... (mas de poço sem ter fundo!)
Um poeta recitando, qual se fosse um Arquimedes:
Dêem-me um poema, por favor, um só...
.................................................e eu moverei o mundo!


Martim César

A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida. Vinícius de Moraes

Como se fosse uma dança

Teus olhos nos meus olhos, como se fosse uma dança
Teu corpo no meu corpo, os dois em um só compasso
A tua mão no meu dorso, o outro braço em meu braço
Meus dedos na tua cintura e a noite é só uma criança...

Meu rosto junto ao teu rosto, como se fosse uma dança
Os dois banhados de som, bailando assim pelo espaço
Num quadro vivo de cor, nas linhas de um mesmo traço
Teu coração no meu peito e a noite é só uma criança...

Vem! Navega junto comigo no oceano de uns versos...
Eu te ofereço a minha vida e alguns poemas dispersos
Que vou deixando em teu rastro para lembrares de mim

Vem! Suspira nos meus ouvidos os teus aromas de flor
Descobre por que o universo é bem menor que um amor
E dança... dança... dança... dança... dança... como se a noite
............................................................já não tivesse mais fim!

Martim César